sábado, 25 de fevereiro de 2012

Mentiras no Divã (Irvin D. Yalom)

mentiras no divã          Irvin D. Yalom nasceu em Washington (EUA) em 1931. Filho de imigrantes russos, viveu toda a sua infância em um bairro pobre. Encontrou seu refúgio na literatura, um mundo alternativo e mais satisfatório. Cursou medicina e se especializou em psiquiatria. Psicoterapeuta e professor emérito de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, publicou inúmeros títulos na área acadêmica. Outras obras famosas do autor são Quando Nietzsche chorou e A Cura de Schopenhauer.
          Em Mentiras no Divã encontramos as atividades do atendimento clínico vividas por dois psicanalistas: Ernest Lash e Marshal Streider. Lash era um especialista em psicofarmacologia que, a partir de um caso de má conduta profissional vivido por Seymour Trotter, ex-presidente da Associação Psiquiátrica Americana (APA), se interessa pelo atendimento clínico. Desejoso de inovar em seu método de análise, opta pela honestidade e sinceridade na relação terapeuta-paciente. Nesse contexto se depara com Carol Astrid que, decepcionada com a separação de seu marido Justin, resolve se tornar paciente de Ernest, acreditando que a decisão do marido fora influenciada por ele. Assim, sob o pseudônimo de Carolyn Leftman, por meio de uma história cuidadosamente inventada, Carol tenta seduzir Ernest, a fim de denunciá-lo por má conduta sexual.
          Outra história paralela é vivida por Marshal. Supervisor de Ernest, é um homem de caráter orgulhoso, cego pela cobiça, centrado no sucesso material e obcecado pelo bem-estar. Casado com Shirley, discordava da mulher por esta ser adepta ao ikebana, uma técnica oriental cujo tratamento psicológico das pessoas era feito por meio de arranjos florais.
          Marshal gozava de prestígio na Associação Psiquiátrica Americana. Orgulhava-se pelo seu olhar perspicaz no tratamento de seus pacientes, sempre obtendo resultados satisfatórios. Foi uma peça importante principalmente na descoberta de que Seth Pande, um respeitado membro da associação, havia falhado na aplicação clínica de alguns conceitos da psicanálise. Diante disso, o instituto decide pela expulsão de Pande e convoca seus ex-analisandos para uma espécie de recall, inteiramente grátis.
          Dentre seus diversos pacientes, Marshal se encontra com Peter Macondo, um rico investidor. Macondo lhe oferecia mais do que os honorários de Marshal requeriam e fazia o mesmo com a terapia da mulher, Adriana. O laço de amizade estreitado e as garantias de Peter, levam Marshal a fazer um investimento de 90 mil dólares em ações. Isto o leva a um prejuízo considerável agravado ainda mais quando tenta pegar o fraudatário em flagrante e acaba caindo em um novo golpe. Cobiça e vingança fazem o edifício de Marshal desabar. Seu refúgio eram os diálogos com sua advogada que, por sinal, era Carol.
          Os jogos de poder e os vínculos interpessoais são o pano de fundo no qual Mentiras no Divã se desenrola. Nesse sentido, algumas questões interessantes podem ser suscitadas na mente do leitor: até que ponto o compromisso com a verdade firmado entre analista e analisando é, de fato, cumprido? Ou até que ponto a perspicácia do analista é capaz de confirmar se seu analisando está sendo verdadeiro ou não? Quais os riscos envolvidos nessa relação?
          Enfim, a obra de Yalom é mais uma história intrigante e envolvente do mundo oculto e confidencial dos consultórios psicanalíticos.
 
YALOM, Irvin D. Mentiras no Divã. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. 404 pgs.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A Peste (Albert Camus)

peste, a          Albert Camus nasceu em novembro de 1913 na província de Constantina, em Mondovi, na Argélia, e morreu em janeiro de 1960 num acidente de automóvel ao regressar a Paris. Devido a dificuldades financeiras para custear seus estudos da faculdade, Camus trabalhou como vendedor de automóveis, meteorologista, empregado em um escritório, dentre outros. Licenciou-se em Filosofia, mas uma doença impediu-o de levar adiante sua carreira como professor. Juntamente com O Estrangeiro, a obra A Peste é considerada uma das obras-primas do autor.
          O romance de Camus vem somar à grande riqueza de reflexões sobre a condição humana, tão aprofundada pela humanidade. Em virtude disso, podemos classificá-lo como tendo um alto teor antropológico, já que aborda com vigor, a crise da existência de uma população ameaçada de ser consumida pelos terrores do que nomeou como a peste.
          O espaço no qual se dão os acontecimentos é a cidade de Orão, em 194.... A cidade que era tranqüila para se viver e amar, quase o cenário perfeito de um paraíso moderno, de repente vê-se invadida por um vasto número de ratos mortos, com sintomas similares. Era o prenúncio de um pesadelo. Rapidamente começa a crescer o número de pessoas acometidas por febre alta, dor de cabeça, inflamação dos gânglios e delírios, cuja morte se dava em 48 horas. O pânico se espalha com as centenas de mortes por semana, cada vez mais crescente, anunciada pelos jornais. O estado de calamidade faz com que o prefeito decrete o fechamento das portas da cidade, impedindo a saída de qualquer um e o regresso dos que nela chegavam. Tal separação figura o que o narrador dos acontecimentos denomina como um estado de abstração.
          Diante do pânico vivido pela população o médico Bernard Rieux busca dar uma explicação à luz da ciência e da medicina. Outros julgam a infestação como proveniente de uma questão sanitária. Já o padre Paneloux, insiste como sendo um castigo divino pelos pecados cometidos pelo povo e, portanto, um mal necessário para que façam um exame de consciência, visando uma mudança de vida.
          Opiniões à parte, aqueles que apresentavam os sintomas da peste eram encaminhados para o isolamento em hospitais, escolas e estádios. O risco de contaminação e o imenso número de vítimas faziam com que o sepultamento ocorresse às pressas, sem que os finados recebessem um digno cortejo fúnebre. Enquanto isso, a equipe médica e especialmente o Dr. Castel se aplicavam à pesquisa de um antídoto para a doença. O Dr. Rieux é o grande protagonista da história, junto a seus amigos Rambert, Tarrou, Grand, Cottard e outros. Como narrador onisciente, vive todos os acontecimentos, exercendo seu papel invadido pelos sentimentos mistos de compaixão e amizade, especialmente visíveis na recordação de sua falecida esposa e, mais tarde, na morte de Tarrou, já no fim do trágico morticídio da doença.
          A Peste é uma reflexão da aceitação do destino humano em sua sujeição a sua natureza de ser mortal. No contexto dramático dos acontecimentos, realça o valor do amor, cuja necessidade é especialmente evidenciada na separação que os habitantes viveram, ao verem-se isolados do resto do mundo pela doença. Assim, a questão humanista é diretamente abordada por Camus, como se a vida fosse uma teia de frágeis relações, mas com uma carga de sentido e significado que a transcende. Nesse aspecto se inseria a esperança de cura, a que chamavam paz.
 
CAMUS, Albert. A Peste. Lisboa: Edição Livros do Brasil, [s.d.]. 336 pgs.
 
Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 1992:

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Doador (Lois Lowry)

o doador          Lois Lowry é autora de diversos títulos para jovens e adultos. Recebeu inúmeros prêmios, dentre os quais o Boston Globe-Horn Book, o Dorothy Canfield Fisher, o Mark Twain, a Medalha Califórnia Young Readers e a Medalha John Newbery, concedida pela Association for Library Service to Children, uma divisão da American Library Association. O romance em questão é um best-seller da autora, com mais de 5 milhões de livros vendidos no mundo até 2010.
          Uma sociedade perfeita. É esse o plano de fundo da história. Em um futuro distante uma certa comunidade possui regras de rígida observância por seus componentes, visando preservar a ordem e o bem estar comum. No entanto, era uma sociedade opaca, de relações superficiais e inautênticas, sobretudo, sem amor.
          Anualmente havia uma cerimônia especial para as crianças que completavam doze anos de idade. Por essa ocasião, era atribuída a cada uma, uma função específica que deveriam desempenhar por toda a vida, após receberem um treinamento adequado. Dentre as funções, havia a do Recebedor de Memórias, que guardava consigo as lembranças da comunidade, imunizando-a do sofrimento do passado, mas também a aconselhando quanto aos rumos a serem tomados em momentos difíceis.
          Jonas, o protagonista da história, era um garotinho que vivia tranquilamente no seio familiar junto à sua irmã Lily, seu Pai, sua Mãe e Gabriel, uma criança-nova sob a responsabilidade do Pai. Como todas as crianças de sua idade, Jonas esperava ansioso pela Cerimônia dos Doze, onde receberia sua atribuição. Só não esperava que fosse escolhido pela Anciã-chefe e seu conselho para a mais delicada atribuição da comunidade: a de substituir o atual Recebedor de Memórias.
          Alertado de que sua função exigiria coragem, disciplina e muita força, Jonas inicia seu treinamento com o Doador. Pouco a pouco conhece as cores, a neve e as sensações de frio e calor. Seu sofrimento é maior ao experimentar a dor em um acidente de trenó, e intensificado ao fazer memória dos horrores da guerra e da fome.
          O mundo extraordinário que vai descobrindo leva Jonas a questionar os princípios no qual a sociedade perfeita em que vivia estava fundada. Ao descobrir o que estava por trás da Cerimônia de Dispensa para Alhures, em que as pessoas eram sacrificadas, a fim de evitar o sofrimento, Jonas se sente perplexo. Partilhando dos mesmos sentimentos do Doador, decide partir rumo a uma perigosa aventura que devolveria aos habitantes da comunidade suas lembranças boas e ruins, mas principalmente a força misteriosa do amor.
          O romance O Doador é uma estória que visa ensinar uma lição, de forma que se aproxima do estilo literário de uma fábula. Ao narrar o contexto da sociedade, a autora convida o leitor a inserir-se numa outra forma de perceber as relações sociais. Aos muito presos à realidade pragmática, a narrativa pode traduzir-se como um convite a abandonar a leitura. Mesmo de forma extremamente simplificada e talvez até mesmo pouco empolgante, o que permanece é a sabedoria de que o sofrimento possui uma força significativa capaz de devolver o amor e o afeto aos corações das pessoas. 


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:     Doador, O
Autoria:  Lois Lowry
Editora:  Sextante
Ano:        2009
Local:      Rio de Janeiro
Gênero:   Drama

Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 2014:

sábado, 4 de fevereiro de 2012

O Guardião de Memórias (Kim Edwards)

o guardiao de memórias          Kim Edwards cresceu na vila de Skaneateles, Nova Iorque. A mais velha de quatro filhos, graduou-se na Colgate University e na Universidade de Iowa, onde recebeu um mestre em Belas Artes em ficção e um mestre em Artes em Linguística. Após completar sua pós-graduação, foi com o marido para a Ásia, onde passaram cinco anos ensinando em vários países. Lá começou a publicar contos que ganharam muitas homenagens. Seu livro Os Segredos do Rei do Fogo foi pré-selecionado para o Prêmio Pen Hemingway de 1998. Seu romance O Guardião de Memórias, bestseller do The New York Times nos Estados Unidos, também foi publicado em diversos países.
          O poder das escolhas humanas é de uma tal dimensão que pode influenciar todo um futuro e afetar também a vida de outras pessoas. Diante disso, o mistério se reveste não na opção que se faz, mas em todas as outras que se deixa, acreditando que aquilo que se abraça é o mais importante. No entanto, a trama na qual é tecida a história desse livro, é construída na complexidade da perda. Principalmente naquela perda que se torna presença viva na culpa alojada no subconsciente.
          Tudo começara numa noite gélida de 1964, quando o Dr. David Henry fizera o parto em sua esposa Norah, auxiliado pela enfermeira Caroline Gill. Numa corrida contra o tempo, David se dividia e buscava um ponto de equilíbrio entre a adrenalina e a emoção em facilitar o nascimento de seu primeiro e tão esperado filho. Num primeiro momento, a alegria de ouvir o choro vital do filho Paul; num segundo momento, a surpresa diante da gêmea, Phoebe, que também suspirava por ser acolhida no mundo. No entanto, ao contemplar o rosto de Phoebe e confrontar aquela imagem com sua experiência médica, imediatamente David chega à triste constatação de que ela havia nascido com Síndrome de Down. Para evitar que a sombra que havia o amedrontado nos tempos de infância não pairasse novamente em sua família, David decidira entregar Phoebe a Caroline para que ela levasse a menina a um abrigo especial para crianças com essa doença. A Norah restaria a notícia de que Phoebe nascera com complicações de saúde e morrera instantes depois.
          Quando criança, David tivera uma irmã mais nova que sofria de problemas cardíacos. O sofrimento da menina culminava no sofrimento da família e cairia como um raio sobre todos quando a menina morrera. Desde então, David, um garoto tímido e reservado, decidira se tornar médico para aliviar o sofrimento de outras pessoas. Dividido entre o trabalho, a família e seu hobbie predileto, a fotografia, David manteria consigo o segredo sobre sua filha, impassível mesmo diante do sofrimento constante que aquela perda trazia para a esposa Norah, Esta, consolada por sua solidária irmã Bree, cuidaria do filho Paul e viveria sempre atribulada pela culpa de não ter junto a si também Phoebe.
          Caroline Gill escolhera levar a criança consigo ao constatar que o abrigo era um péssimo lugar para deixá-la. Numa situação atípica, conhecera Al e se casaria com ele. Phoebe teria uma vida como qualquer outra criança, necessitando apenas de cuidados especiais e o principal: ser amada. Em outro plano, seu irmão Paul também se desenvolveria e se dedicaria à sua vocação como músico, mesmo que a contragosto do pai. A morte de David Henry traria o fim de uma vida de silêncio e a revelação de um segredo guardado a sete chaves.
          A obra de Kim Edwards toca de forma muito sutil na questão do impacto de nossas escolhas sobre nós mesmos e sobre os outros. De um modo coerente, também contorna a questão da aceitação do diferente e em sua inclusão numa sociedade com a ideia ultrapassada de perfeição. Aqueles que são especiais por suas deficiências, são animados por um potencial de vida surpreendente que os faz buscarem seu direito à dignidade no convívio social.
 
EDWARDS, Kim. O Guardião de Memórias. Rio de Janeiro: Sextante, 2008. 320 pgs.
 
Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 2008: