sábado, 28 de julho de 2012

Pobre com os Pobres (Henri Marie Le Boursicaud)

pobre com os pobres          No ano em que se completam 200 anos da morte de Santo Afonso Maria de Ligório, Henri Marie Le Boursicaud brinda com esta pequena biografia singela e rica em conteúdo. Uma apresentação da vida de Santo Afonso como aquele que optou por se fazer “pobre com os pobres”.
          Afonso veio ao mundo na cidade de Nápoles, em 1696, onde se dividiam em cinco as categorias de pessoas: 1) Nobres; 2) Padres; 3) Burgueses; 4) Comerciantes; 5) Mendigos. Desde pequeno, foi preparado pelo pai para se consagrar na nobreza com uma carreira brilhante. Profundamente influenciado pelo pensamento cartesiano, desenvolveu talentos para a música e a pintura, e formou-se como advogado em 1713, aos 16 anos de idade. De 1715 a 1723, Afonso não perdeu nenhuma causa se quer. Prezava a justiça e o direito, principalmente em relação aos pobres. Frequentemente visitava os doentes do Hospital do Incuráveis e acompanhava os pobres do bairro até a sepultura, por meio da Confraria Santa Maria da Misericórdia. Em 1723, ao perder sua primeira causa devido a uma injustiça, abandonou definitivamente a advocacia.
          Contra os desejos do pai, Afonso iniciou os estudos eclesiásticos e foi ordenado sacerdote em 1726, mas deixou a casa paterna somente três anos depois. No exercício de seu ministério, fundou as Capelas da Noite onde se reuniam os Lazzaroni, ou seja, os pobres napolitanos. Durante uma estadia de descanso em Santa Maria dos Montes, em Scala, Afonso se encontrou pela primeira vez com os cabreiros que viviam nas montanhas. Surgia a primeira “inspiração” para fundar uma nova congregação que se direcionasse aos pobres e abandonados. Nápoles era um reduto de clérigos e religiosos e as pessoas que habitavam mais distante do centro ficavam desprovidas de um trabalho pastoral e dos sacramentos.
          No princípio da fundação da Congregação, Afonso havia sido muito ridicularizado por ser tão douto e inteligente e dar crédito às visões da monja Maria Celeste Crostarosa. Levando adiante seu sonho, funda em Scala, a Congregação do Santíssimo Salvador, em 9 de novembro de 1732, posteriormente chamada Santíssimo Redentor. O fim do instituto seria continuar o exemplo de Jesus Cristo, pregando aos pobres e abandonados a palavra de Deus. Uma conversão que dure, não pelo medo e sim pelo amor, interiorização da fé, evangelização dos mais pobres como prioridade sobre o sucesso e simplicidade de vida seriam traços característicos do apostolado.
          Afonso também é destacado por seu talento como escritor. Sobre isso, diz o autor: “111 obras desde os menores opúsculos até livros de 1500 páginas, 18 volumes de 400, 500 páginas de obras ascéticas, com 20 mil edições, hoje em 70 línguas” (p. 193). Além de todos esses atributos, foi também nomeado bispo de Santa Ágata dos Godos, em que Afonso qualifica este dia como o mais triste e doloroso de sua vida.
          O autor realça as virtudes de um homem que soube usar sua espiritualidade na busca por enfrentar os revezes da vida. Em linguagem simples e acessível a qualquer leitor, a personalidade de Afonso é retratada como alguém espirituoso e criativo, sempre fiel a seu voto de “não perder um minuto sequer do tempo”. Uma vida que não se contenta em simplesmente ser contada, mas também espelhada por todos que querem ser grandes, tornando-se pequenos e pobres entre os pobres.
 
BOURSICAUD, Henrie Marie Le.. Pobre com os Pobres. Aparecida: Santuário, 1987. 208 pgs.

sábado, 21 de julho de 2012

A Marca do Zorro (Johnston Macculley)

marca do zorro, a    Inicialmente lançada em uma série de cinco capítulos na revista All-Story Weekly em 1919, a obra A Marca do Zorro inaugurou a mundialmente aclamada série do super-heroi Zorro. Embora seu autor fosse de origem canadense, o contexto histórico do personagem remonta ao período em que a Califórnia era colônia espanhola, durante o século XIX. Desta forma, o Zorro se transformou em um dos mais famosos heróis espanhóis de todos os tempos, principalmente no cinema.
            O povoado de Reina de Los Angeles era um local até então tranquilo e em fraca expansão. Sua sociedade era composta por nobres da aristocracia espanhola, índios nativos e frades que prestavam assistência religiosa. Os militares, chefiados pelo sargento Pedro Gonzales eram extremamente fieis ao governador que, para servir a seus interesses, não se importava em explorar os nativos e pobres. Qualquer manifestação contrária ao governador era duramente punida. Desta forma, o poderio militar era fortemente assegurado, sendo subestimado apenas pelas façanhas do audaz cavaleiro Zorro, popularmente conhecido como o “Terror de Capistrano”. Embora sempre atuasse sozinho, os militares mentiam dizendo que o Zorro era acompanhado por um bando de bandidos, a fim de parecer que ele era um forte inimigo e ocultar-lhes a incompetência em prendê-lo. O maior objetivo do sargento Gonzales era a captura do bandoleiro, visando obter o prestígio popular, além de uma considerável recompensa oferecida pelo governador a quem o entregasse vivo ou morto.
            Dentre as famílias mais influentes de Reina de Los Angeles estava a de Alejandro Vegas, um nobre cavalheiro muito rico e respeitado pelo governador. Desejoso de que seu filho fosse merecedor de sua herança, instigava-lhe constantemente a se casar com uma nobre senhorita. Diego Vegas, famoso pelo cavalheirismo e polidez, no entanto, demonstrava um comportamento pouco objetivo e nada amável em relação às mulheres, já que queria desposá-las sem cortejá-las com serenatas e demonstrações de afeto. Assim era com a senhorita Lolita, filha de Carlos Pulido e Dona Catalina Pulido. Esse casal não gozava de prestígio pelo governador e via na união a chance de recuperá-lo já que Dom Diego se engraçava de Lolita e desejava se casar com ela. No entanto, desagradava a Lolita que ele fosse tão insensível na arte da conquista. A ela encantava mais o romantismo demonstrado pelo Zorro, mesmo que fosse reconhecidamente procurado como um bandoleiro e salteador de estradas. Disputava com Diego, o capitão do presídio de Reina de Los Angeles, Ramón, que viria a tornar-se seu maior inimigo.
A marca do Zorro
            De capa vermelha, máscara e chapéu pretos, portando espada, pistola e chicote, montado em seu imponente cavalo, a figura do Zorro estava presente sempre que algum perigo iminente ocorria. Contava com alguns aliados como Frei Filipe, que detestava o governo e os militares, constantemente sendo alvo de chacotas e humilhações. Sua motivação maior era lutar contra as injustiças cometidas pelas autoridades e defender os oprimidos, castigando os verdadeiros criminosos. Viviam-se tempos turbulentos em que os frades das missões eram despojados pelas autoridades, os nativos tratados de modo pior do que os cães e os nobres roubados por não estarem em boas relações com os governantes. O estopim da história se dá quando a família Pulido é presa por ordem do governador, em uma espécie de conspiração política. O Zorro convence alguns cavalheiros sobre as injustiças que os governantes vinham provocando e forma a Liga da Justiça. Desta forma, na tentativa de soltá-los, o Zorro se vinga do capitão Ramón e revela a toda a cidade quem eram os verdadeiros criminosos de Reina de Los Angeles. Nesse ínterim, dá-se a grande revelação da identidade secreta do Zorro, como sendo o próprio Dom Diego Vegas.
            O super-heroi descrito por McCulley é o alter-ego de Dom Diego. Nessa dupla identidade é interessante perceber a forma como o cavalheiro consegue ser ora um, ora outro, sem que ninguém perceba que se trata da mesma pessoa. Enquanto Dom Diego é alguém contido, passivo e reservado, o Zorro se mostra extremamente corajoso, destemido e vingativo. Essa dupla face é mantida em segredo por toda a narrativa, não o sendo apenas para o criado de Dom Diego, Bernardo, um jovem surdo-mudo. A ironia dessas revelações expressas nas falas dos personagens dá a história um tom humorístico e atraente.
            Nos seriados que foram produzidos a partir do personagem, alguns traços se divergem da história original. Por exemplo, o sargento Gonzales recebe o nome de sargento Garcia nas adaptações para o cinema. Outra curiosidade é que, na obra de MacCulley, o Zorro não costuma marcar seus inimigos com um “Z” como é representado nas telas. Isso acontece somente quando ataca o sargento Ramón, ilustrando o significado do título dado à obra.  Porém, a marca principal do Zorro é a de ser um cavaleiro anônimo justiceiro. E é essa que o caracteriza e define como um grande ícone universal.
 
MACCLLEY, Johnston. A Marca do Zorro. Rio de Janeiro: Casa Editora Vecchi, 1959. 6ª ed.. 216 pgs.

sábado, 14 de julho de 2012

Marley & Eu: a vida e o amor ao lado do pior cão do mundo (John Grogan)


As histórias sobre amizade são naturalmente especiais por retratarem momentos simples mas significativos da vida dos amigos. Um passeio, uma conversa informal, um encontro casual revelam a diferença que a simples presença do outro pode ocasionar. Nesta obra, tal relação é demonstrada em toda a sua profundidade, porém em outro plano: a amizade entre um cachorro e seu dono.
John e Jenny Grogan eram recém-casados, viviam em West Palm Beach (Flórida), trabalhavam como jornalistas e faziam planos para o futuro. Entre eles, estava o de terem filhos, mas a experiência desastrosa de Jenny no cuidado com uma simples planta, lhe fez acreditar que ela não estava preparada para tornar-se mãe. Diante disso, uma experiência com outro ser vivo talvez lhe ajudasse antes de conceber uma criança de fato. Nesse contexto, entra na vida do casal o cachorro Marley, que iria mudar completamente a vida da família.
Marley era um filhote de labrador que, inicialmente encantou o casal pelo jeito meigo e carinhoso. Porém, aquele animalzinho que mais parecia um inofensivo bicho de pelúcia logo cresceria e extravasaria toda a sua energia, levando seus donos à loucura. Marley cresce em tamanho mas conserva seu instinto hiperativo, brincalhão e bagunceiro, sempre carinhoso e leal, o que se tornou o mimo de John e Jenny.
Passado um período de “estágio” com o cachorro, o casal Grogan decide ter seu primeiro filho. No entanto, essa primeira tentativa se transformara em uma angústia em suas vidas, já que a criança nascera morta, estando Jenny na quinta semana de gravidez. Arrasados por isso, acreditavam que o motivo para tal fora o uso de pesticidas no combate a insetos em sua nova casa, durante a gestação. No entanto, a tristeza provocada por esse fato não roubou do casal o sonho de ter filhos. Se eles eram capazes de cuidar de um animal que, aparentemente era o “pior cão do mundo”, por que não seriam capazes de cuidar de uma criança?
A natureza elétrica de Marley levou os Grogan a adotarem medidas de educação canina. Informado da boa reputação de tal método, John passou a levar Marley a aulas de adestramento animal. Porém, sua intransigência e indisciplina fizeram com que os outros cães ficassem dispersos nas aulas e que a tutora expulsasse Marley, alegando que ele era novo demais para ser submetido a medidas educativas. Caberia aos próprios donos a tarefa de ensiná-lo a não pular nas pessoas durante os passeios, não cavar buracos pelo quintal, não comer as roupas do varal, conter seu apetite voraz e etc.. Contudo, o principal desafio seria controlar o ataque frenético e descontrolado de Marley diante das crises de pânico provocadas pelos barulhos dos trovões.
Todas as confusões e encrencas que Marley colocou seus donos somente os faziam estimar cada vez mais sua companhia. O convívio com o cão mostrava-lhes também a importância de levar a vida de forma leve e divertida, como se nada fosse sério ou realmente importasse. Assim, recuperados do grande baque que o aborto provocara, John e Jenny tentam uma nova gravidez e obtêm sucesso como o nascimento de Patrick. Mais tarde, outros dois filhos, Conor e Collen (a única menina), viriam completar a alegria do casal. No nascimento de Conor, uma depressão pós-parto de Jenny quase custou a despedida de Marley da casa, devido a sua impaciência diante das estripulias do animal.
O tempo passou e novos acontecimentos se sucederam na vida da família. John buscava inovações na carreira profissional e, diante da oferta para ser colunista do The Philadelphia Inquirer, se muda com a esposa, os filhos e o cão para Boca Raton, zona rural da Pensilvânia. Marley também já era um cão idoso e, após 13 anos de intensa atividade, vinha apresentando sérios problemas de saúde como fraqueza nas patas traseiras, artrite, surdez, além de um problema gástrico corrigível apenas por uma intervenção cirúrgica de alto custo. Mesmo inconformados, restava aos Grogan se prepararem para a cruel despedida de um cão que havia marcado suas vidas tão intensamente. Jamais se esqueceriam das peripécias de um cão que havia feito tudo em vida: estrelado como artista de uma gravação cinematográfica, “fechado” uma praia pública para cães, evitado que uma jovem de 17 anos fosse morta após ser esfaqueada, além de ser o motivo de alegria da casa por tantos anos.
A história de Marley & Eu é, acima de tudo, uma história real. O autor foi encorajado a relatar seu convívio com o animal após publicar um artigo na coluna em que escrevia, pouco depois da morte de Marley. Os leitores se empolgaram em contar experiências semelhantes que tiveram com labradores e cães de outras raças. Nela, encontramos fatos hilários, cenas intrigantes e também trechos dramáticos que demonstram a importâncias das relações, por serem tão frágeis e singelas. Rapidamente o livro se tornou um dos mais vendidos no mundo todo e ganhou também uma adaptação para as telas do cinema pela 20th Century Fox. Enfim, a história demonstra sutilmente a consolidação do dito popular de que “o cão é o melhor amigo do homem”.

GROGAN, John. Marley & eu: a vida e o amor ao lado do pior cão do mundo. São Paulo: Prestígio, 2006. 268 pgs. 

Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 2008:

 

sábado, 7 de julho de 2012

Os Ossos de Deus (Leonardo Gori)


          A evocação de nomes de grandes personagens históricos em romances exige do escritor um trama cuidadosamente construída, a fim de que os admiradores não julguem a riqueza literária da obra pela biografia real do personagem. Em Os Ossos de Deus, o autor italiano Leonardo Gori demonstra com maestria sua capacidade de construir uma ficção, de forma que o leitor fique curioso por descobrir quais partes do romance se mesclam com realidade dos fatos.
        A história se passa no período do Renascimento Italiano. Nicolau de Bernardo Maquiavel, primeiro-secretário da República de Florença, viaja em companhia de Durante Rucellai, médico e cavalheiro, e Ginevra, esposa deste. A mando de Piero di Tommaso Soderini, gonfaloneiro e magistrado municipal da república, tinham a missão de vistoriar as obras em Gran Villa do Arno, local onde vinham sendo feitas escavações para desviar o curso do Rio Arno, em uma manobra política contra o povo de Pisa. As obras estavam sob a responsabilidade do chefe Michele Almieri mas haviam sido projetadas por Leonardo di ser Piero da Vinci que, além de outras, reunia em si as qualidades de escultor, pintor, arquiteto, cientista e anatomista. Era o nome mais famoso de sua época, grandioso principalmente por ter projetado uma máquina movida a tração animal por extrema importância nas obras do Arno.
         Com as obras estava indo tudo bem. Contudo, o misterioso aparecimento de cinco corpos de mouros (escravos provenientes da África) e macacos intrigara bastante Durante e Nicolau, principalmente por apresentarem sinais de que foram submetidos a autópsia. Tal procedimento era considerado abominável e ultrajante para a cultura da época. Além disso, Leonardo havia desaparecido após os terríveis acontecimentos e nenhum dos operários levantara indícios sobre seu paradeiro, tornando-o o principal suspeito dos crimes. Desta forma, Nicolau e Durante iniciam uma investigação sobre os fatos, os quais são agravados pelo encontro de Filippo del Sarto, filósofo e cientista de Pádua, assassinado misteriosamente em Livorno. Em cada cena o autor deixava inscrições ininteligíveis como pista.
         Leonardo da Vinci é uma figura astuta e perspicaz. Seu interesse maior era encontrar as obras dos filósofos da antiguidade Herófilo e Erasístrato. Com elas, poderia apresentar provas convincentes de sua teoria que, segundo pensava, poderia abalar os pilares da cristandade. Era a “arma secreta” de Leonardo, em que descobrira que os homens não haviam sido criados por Deus, conforme ensina o relato bíblico do Gênesis, mas descendiam diretamente dos macacos de uma forma evolutiva, por obra selecionadora da natureza e por transformações do sêmen. Tal concepção era considerada heresia pela Igreja na época, pois ataca incisivamente a tese do poder criativo de Deus. Além do mais, conceber a natureza humana como proveniente de um animal seria rebaixar sua condição ao invés de elevá-la.
         A obra de Leonardo Gori conserva certos traços de semelhança com os polêmicos livros de Dan Brown, embora sem muita repercussão. Um grande diferencial entre as obras dos dois autores é que Leonardo Gori restringe a polêmica de sua trama ao contexto social em que ela é narrada. Ou seja, ideias que hoje não representam tamanho impacto no mundo contemporâneo, seriam por demais absurdas na cultura daquela época. Vale destacar a veracidade dos personagens e da alusão a suas ideias, em especial de Maquiavel, para o qual a crueldade é admissível apenas quando visa bons propósitos, uma vez que o dever do Príncipe é preservar o Estado. Sendo assim, ela é uma consequência necessária da suspensão emergencial das leis, visando fins bons. A teoria desenvolvida por Leonardo da Vinci faz lembrar muito a Teoria da Origem e Evolução das espécies de Charles Darwin.
Dessa forma, permitindo ao leitor fazer o entrelaçamento dos conhecimentos , a obra se apresenta com um rico valor literário. No entanto, exige atenção no acompanhamento do enredo, uma vez que o autor promove a transição de cenários, às vezes, de um capítulo para outro, permitindo que um leitor distraído ou desatento perca facilmente o fio da história. Talvez esse seja o único ponto falho da obra como um todo, pois dificulta a compreensão do cerne da trama.

GORI, Leonardo. Os Ossos de Deus. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. 288 pgs.