quarta-feira, 22 de março de 2017

Cidades de Papel (John Green)

            Do mesmo autor do famoso best-seller A Culpa é das Estrelas, esse livro também foi adaptado para o cinema, lançado em 2015, embora com um sucesso menor do que aquele. John Green mais uma vez usa com maestria sua habilidade em inserir reflexões existenciais sutis nas vivências comuns de pessoas pós-modernas.
            Margo Roth Spielgeman e Quentin Jacobsen são dois adolescentes que, desde a infância eram vizinhos na cidade de Orlando (Colorado, EUA). Grandes amigos, durante uma de suas brincadeiras encontraram o corpo de um homem às margens de um lago. Aquele fato inusitado que poderia ser um episódio isolado, na verdade suscitaria nos dois muitos questionamentos existenciais, principalmente em relação à história do falecido. Mas o tempo passou e, como jovens comuns, seguiam sua rotina de festas e estudos como qualquer outro jovem norte-americano.
            Apesar de se comportarem apenas como amigos, Quentin nutria certo romance por Margo. Enquanto ele era um jovem que sonhava em terminar os estudos do colegial e logo ingressar na faculdade, ter uma carreira de sucesso, uma família e uma vida confortável, ela vivia uma vida de aventuras, seduzida por diversos mistérios e sempre disposta a vivenciar experiências que renderiam uma boa história. Foi assim que, certa noite, Margo surgiu na janela de Quentin intimando-o a acompanhá-la em uma noite incrível de feitos inusitados. Mesmo surpreso, Quentin aceita. Juntos, realizam façanhas incríveis desde trolar a amante do ex-namorado de Margo, que a estava traindo até um passeio noturno pelo Sea World em Orlando. Ao término daquelas realizações, Quentin e Margo estariam em um dos andares de um prédio a observar a cidade. Para Margo, tudo aquela imensidão de construção não passava de uma “cidade de papel”, uma metáfora para simbolizar a fugacidade daquilo que parecia tão imponente, onde as pessoas viviam seu cotidiano rotineiro e tentavam encontrar sentido nessa monotonia.
            Estava próxima a festa de formatura dos alunos. Quentin e seus amigos – Radar, Ben e Lacey – estavam ansiosos pelo tradicional baile, cada um procurando adiantar seus pares. No entanto, o par que Quentin queria, depois daquela noite de façanhas não compareceu mais à escola. Margo estava desaparecida, mas Quentin tinha a firme convicção de que ela havia deixado pistas, como sempre fizera nas outras vezes. Foi assim que ele descobriu um exemplar do poema “Canção de mim mesmo” de Walt Whitman, onde algumas passagens enigmáticas foram grifadas com uma caneta marca-texto. Aquilo parecia ser sinais de Margo, que somente Quentin poderia decifrar. Era o início de uma procura, que o levaria, inicialmente a casarões abandonados na própria cidade e, depois, à extinta cidade de Agloe, uma cidade de papel que findaria o grande enigma de Margo Roth Spielgeman.
            O termo “cidades de papel” além do sentido conotativo enunciado por Margo durante a noite em que saíra com Quentin possui também um sentido denotativo. Trata-se das cidades que constam somente nos mapas, mas que não existem realmente. É uma ideia daquilo que é aparente, porém não é real. Isso dá uma noção da filosofia que o autor constrói em sua obra. Embora o estilo narrativo foque bastante nas vivências do dia a dia de jovens comuns, a procura existencial que Quentin empreende é algo que o torna um jovem diferenciado. Nada parece ser um limite para que ele descubra o paradeiro de Margo, ainda que seja viajar por longas horas rumo a um local incerto. Por outro lado, para Margo, ele persegue a ideia que criou a respeito dela, uma vez que, na verdade, ele nada sabe da verdadeira e problemática Margo. Vale ressaltar que tal busca não é movida por um desejo passional louco e sim pela vontade de desvendar aquele que é o maior enigma de toda a história: a própria Margo Roth Spielgeman.

REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:    Cidades de Papel
Autoria:  John Green
Editora:  Intrínseca
Ano:       2013
Local:     Rio de Janeiro
Gênero:  Drama | Aventura | Romance

Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 2015:

domingo, 12 de março de 2017

O Deus Oprimido: em busca de uma espiritualidade da inserção (Benjamin González Buelta)

deus oprimido, o          Nos tempos atuais, em que o avanço do capitalismo, o declínio dos valores tradicionais, o crescente consumismo e espírito de competitividade crescem sempre mais, uma pergunta se coloca aos cristãos, especialmente aos vocacionados à vida religiosa: como se inserir em tal contexto, vivendo a partir de uma adesão radical ao reino pregado por Jesus Cristo? A crescente massa de oprimidos, sem voz e nem vez, vem como o grito de um Deus que está sendo marginalizado, excluído, colocado à parte, mostrando-se na pessoa do outro: um Deus Oprimido. A partir dessa realidade questionadora, o padre Buelta busca, à luz de seus 18 anos de experiência, convivendo com os miseráveis de Guachupita na República Dominicana, tecer uma análise de conjuntura da pastoral da Igreja, buscando os sinais da coerência de seu discurso com sua prática na opção preferencial pelos pobres.
          A pastoral entre os pobres parte do reconhecimento de que é o próprio Deus presente no mundo, que caminha com o povo na história, não como espectador, e sim como vítima dos mecanismos de morte. A partir daí, uma provocação aos religiosos: “Podemos nós entender o Evangelho, lendo-o desde nossa posição privilegiada no sistema, a partir do poder, da segurança, da instituição...?” (p. 19). A alternativa da inserção surge como um êxodo em direção aos oprimidos, na busca por encontrar o próprio Deus, que se encarnou entre os pobres, viveu como pobre e morreu pobre. Por isto, quer significar uma aceitação dos desafios contra a realidade de injustiça, dos dominadores e das ideologias. Inserir é também comungar da sabedoria, cultura e fé do povo, na busca de opções concretas que realizem o seu projeto na história. Trata-se de cultivar uma espiritualidade celebrativa, atenta às necessidades concretas, que produziriam a libertação da opressão. É ser sinal de contradição, frente ao curso da humanidade. Enfim, é um transcender de uma experiência meramente individual e narcísica de Deus, para uma experiência coletiva e libertadora, contemplando a Deus, na caminhada com seu povo. A realização concreta desse projeto leva à percepção de um reino de Deus que já está presente no mundo, pelas sementes de esperança que surgem, mas ainda não completamente, em virtude das injustiças e desigualdades entre as pessoas.
          Contemplar a Deus na história é se comprometer com a vida. Nem uma práxis que se rotiniza no ativismo exacerbado, nem uma espiritualidade que se fecha sobre si mesma, sem inquietar-se diante de quem mais sofre. A inserção é a opção por viver como o povo, na busca de implodir em seu meio a mensagem de amor e fraternidade de Jesus, na luta pela justiça.
          Destinado aos que fazem do compromisso com o oprimido o escopo da vivência radical e engajada da boa-nova do Evangelho, esta obra vem reacender essa opção fundamental. A urgência de uma pastoral coerente e eficaz é a demanda da Igreja, frente à realidade que se descortina sempre mais desafiadora. A vida religiosa é chamada a se desinstalar de seus confortos e se inserir entre os que são o alvo de seu discurso, rosto humano e oprimido de um Deus que caminha com seu povo, em Jesus Cristo.
 
REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:      Deus Oprimido, O
Subtítulo: em busca de uma espiritualidade da inserção
Autoria:    Benjamin Gonzáles Buelta
Editora:    CRB
Ano:         1989
Local:       Rio de Janeiro
Gênero:    Espiritualidade | Religião

quinta-feira, 2 de março de 2017

O Escaravelho do Diabo (Lúcia Machado de Almeida)

            Famoso durante os anos 80/90 pela já aclamada coleção de que faz parte, o título de Lúcia Machado de Almeida ganhou uma adaptação cinematográfica em 2016.
            Alberto era um estudante de medicina que, certo dia fora surpreendido pela visão do irmão Hugo assassinado dentro de sua própria casa, com uma espada cravada no coração. Mais curioso ainda era que, poucos dias antes, Hugo recebera um embrulho pelos correios que continha um besouro fincado em uma rolha de cortiça. Intrigado com aqueles acontecimentos, Alberto fizera uma pesquisa sobre o estranho animal e constatou que seu nome científico remetia claramente ao objeto que ceifara a vida do irmão. Mesmo desconhecendo qualquer atrito de Hugo com quem fosse, o caso fora levado à polícia para investigação do dedicado inspetor Pimentel.
            Poucos dias depois uma nova morte assustara os moradores da pequena cidade onde Alberto vivia. O filho mais novo da dona de uma pensão, a irlandesa Clara O’Shea, morrera envenenado ao tomar um comprimido para um resfriado. Curiosamente o garoto também recebera um escaravelho de presente dias antes. O embrulho macabro que o assassino enviava às suas vítimas já era o suficiente para que Pimentel e Alberto traçassem um modus operandi daquele serial killer em potencial.
            Com o passar do tempo um novo fato acionara o alerta daqueles que achavam tudo se tratar de mera coincidência: a artista Maria Fernanda fora tragicamente assassinada durante um concerto. Nas três mortes, além do recebimento do inseto outra característica comum intrigava os investigadores: todas as vítimas eram ruivas. Com isso a polícia resolvera escoltar os ruivos que ocupavam posição de destaque na cidade – como o Padre Afonso – até porque novos casos de assassinato vinham acontecendo frequentemente. Inclusive, Rachel Saturnino, uma amiga íntima de Alberto, havia sido atacada em um local público e só não sofrera destino igual ao dos outros porque o estudante surgira repentinamente para salvá-la.
            A ação do “inseto” já levava a polícia a levantar suspeitas. Dentre as principais estavam os trabalhadores e moradores da pensão de Clara O’Shea, onde seu filho Clarence fora envenenado. Especialmente o cozinheiro e a camareira, além de Verônica, uma moradora por quem Alberto nutria certo romance. Verônica era suspeita uma vez que os policiais haviam encontrado um embrulho cheio de besouros debaixo de sua cama. Além do mais, quando novas mortes ocorriam algum dos suspeitos sempre estavam presente ou próximos às cenas dos crimes. Porém, tamanha desconfiança levara Verônica a se afastar definitivamente de Alberto, já que o rapaz era o braço direito do inspetor nas investigações. E assim o caso se arrastou por anos a fio, até que o assassino fez sua última vítima (e por sinal, o último ruivo da cidade) sendo esta o próprio Padre Afonso.
            Quando o caso já havia sido arquivado por falta de elementos que identificassem o autor dos crimes, após se formar e atuar no ramo da medicina, Alberto tivera um encontro revelador. Tudo ocorrera durante um congresso em que um conceituado cardiologista revelara uma história intrigante que definitivamente colocava um fim a toda aquela onda de mistério que pairava sobre os habitantes da cidade natal de Alberto por tantos anos... A revelação final mostraria os perigos de uma mente psicótica no seio da sociedade.
            A autora de O Escaravelho do Diabo consegue construir uma trama de mistério digna das grandes produções do gênero, como aquelas de grandes nomes como Arthur Conan Doyle ou Clarice Lispector. Mesmo com capítulos curtos e uma leitura fluida a história não se perde em narrativas apressadas, sem riqueza de detalhes e com fatos previsíveis. Ao final, o que se tem é uma história rica em suspense, sem heroísmos floreados, mas com um desfecho digno dos grandes casos policiais.

REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:   Escaravelho do Diabo, O
Autoria: Lúcia Machado de Almeida
Editora: Ática
Ano:      1982
Local:    São Paulo
Série:    Coleção Vaga-lume
Gênero: Suspense | Policial | Drama

Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 2016: