sábado, 24 de novembro de 2012

A hora e a vez de Augusto Matraga (João Guimarães Rosa)

a hora e a vez de augusto matraga"Cada um tem a sua hora,
e há-de chegar a minha vez!"
(p. 39)
 
          Usando seu estilo literário de escrever histórias sem cortes e sem divisões em capítulos, João Guimarães Rosa narra a trajetória de Augusto Esteves, apelidado de Augusto Matraga. Este era um homem valete e muito temido por sua coragem e bravura na região do Córrego do Murici. Era, porque deixou de ser, em virtude das consequências de sua vida.
          Tudo começa em uma festa de Nossa Senhora das Dores, quando Matraga - ou Nhô Augusto - obriga Sariema, a mulher de um capiauzinho, a acompanhar-lhe contra a própria vontade. A salvação dela chega quando Quim Recadeiro vem avisar a Nhô Augusto que sua mulher, Dona Dionóra, solicitava-lhe a presença. Entristecida com a negação do marido, Dona Dionóra e a filha, Mimita, de apenas dez anos, partem para outras terras, vencida pelo cansaço diante do pouco caso que o esposo fazia. Avisado por Quim Recadeiro da traição, Nhô Augusto decide ir vingar-se da mulher e de Seu Ovídio, mas antes, devia acertar as contas com o Major Consilva. No entanto, a sorte o abandona e, após levar uma surra, é jogado por um barranco. Um casal de pretos encontra Nhô Augusto desacordado, o leva pra sua cabana e lhe tratam as feridas. Ao se recuperar, Nhô Augusto passa a viver e trabalhar com os negros. Certo dia, recebem a visita de Seu Joãozinho Bem-bem e seu bando, um grupo de justiceiros do Sertão. Tendo se agradado de Nhô Augusto, o líder do bando oferece-lhe seus serviços, caso precisasse se vingar de alguém. No entanto, Nhô Augusto era outra pessoa e, convertido, apenas aguardava sua "hora e vez". Tempos mais tarde, finalmente Augusto Matraga encontra seu destino, quando novamente encontra Seu Joãozinho Bem-bem e defende a vida de um velho, o que muito desagrada o justiceiro.
          Em uma linguagem regional, Guimarães Rosa tenta reproduzir o linguajar típico do povo mineiro do Sertão. Nesse espaço se desenrola toda a trama de um homem bravo e valente que encontra sua redenção a partir da queda. Traição, vingança, coragem, arrependimento, solidariedade e remissão são algumas palavras genéricas que encerram a essência da trajetória de Augusto Matraga. Alguém que, vivendo a espera de sua vez, encontra a sua hora.
 
ROSA, João Guimarães. A hora e a vez de Augusto Matraga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 6ª ed.. 54 pgs.
 
Confira a adaptação para o cinema lançada em 1965:



sábado, 17 de novembro de 2012

Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor? (Allan Pease & Barbara Pease)



          Os autores dessa obra são especialistas em pesquisas das diferenças comportamentais entre homens e mulheres. Por isso, o que encontramos nela é uma abordagem divertida, que traz diversas situações das amenidades do dia-a-dia e, principalmente, a forma diferente como homens e mulheres encaram as mesmas. Os estudos são baseados em teses elaboradas em pesquisas de características comuns dominantes apresentadas pela maioria dos grupos estudados.
            O advento do século XXI trouxe consigo a quebra do paradigma dos papeis de homem e mulher definidos. Atividades antes desempenhadas somente por homens são agora exercidas com um toque sutil por mulheres, assim como atividades estritamente femininas ganham um capricho especial dos homens. Por outro lado, observa-se uma atitude conservadora no desempenho de certas funções. As raízes biológicas de um e outro, para os autores, justificam tal padrão.
            Nos primórdios de sua evolução, o homem sempre desempenhou o papel de caçador. Cabia-lhe a tarefa de trazer o sustento para a companheira e a cria, bem como lhes garantir proteção. Com isso, desenvolveu uma visão do tipo “túnel” e adaptou sua psique e reflexos para a caça. Além do mais, a observação e o silêncio eram fundamentais no abate da presa. Em outro plano, à mulher coube o papel de protetora. Sua tarefa era cuidar do lar, gerar e tratar da cria. Com isso, desenvolveu uma visão periférica ampla e detalhada, bem como adaptou sua psique, intuição e reflexos para a percepção detalhada do ambiente. Como interagia mais com as outras mulheres da tribo, desenvolveu melhor a habilidade de comunicação. Postas essas diferenças, o quadro abaixo sintetiza as características de um e outro:
Pensa alto
Fala sozinho
Discurso indireto
Discurso direto
Emocional
Literal
Fala muito
Ouve muito
Sugestiva
Objetivo
Prolixa
Lógico
            Duas situações ilustram as diferentes formas de um e outro encararem um mesmo fato: direção de um carro e compras em um shopping. Enquanto para a mulher dirigir significa deslocar de um ponto A para um ponto B sem transtornos, para o homem é ser capaz de trazer para o concreto uma projeção formulada em seu cérebro, que envolve desde a leitura de um mapa até a reação dos reflexos, dada a sua habilidade espacial desenvolvida. Tal habilidade remonta aos seus mais primitivos instintos de caça. Por outro lado, enquanto num passeio ao shopping o homem age com objetivos determinados (sabe o que quer, como quer e onde encontrar), a mulher encara isso como uma atividade lúdica (não se preocupa com o tempo, cansaço, custo, etc.).
            As diferenças revelam-se também no âmbito social. O homem busca poder e demonstração de força. Daí a justificativa para esconder seus sentimentos, fechando-se e calando. Para a mulher, ao contrário, verbalizar é uma forma de cooperação na solução de seus conflitos. Desse modo, enquanto ele é atraído pelo que vê, ela é atraída por aquilo que ouve. Compreender e conciliar essas diferenças é um fator preponderante para o cultivo de uma boa relação.
            Os autores analisam também a questão dos desvios sexuais de conduta. Para isso se fundamentam em pesquisas científicas que provam que o homossexualismo e o lesbianismo estão ligados à proporção de hormônio que o feto recebeu durante a vida uterina. Isso explica o fato de existirem pessoas biologicamente masculinas e psicologicamente femininas ou vice-versa. Por sua vez, a produção de tal hormônio relaciona-se à qualidade da gestação, principalmente à saúde física, mental e psíquica da mãe. Já a adolescência é a fase propícia para o desenvolvimento das tendências sexuais do/a menino/a devido à explosão hormonal que lhe é característica.
            Enfim, a pergunta-título da obra é respondida mais uma vez recorrendo à tese da evolução biológica. As mulheres se interessam mais pelo romance e pelo amor pois, como o sexo visa biologicamente a reprodução, para elas é importante levar em conta os fatores necessários e determinantes para o cuidado com a cria. Deste modo, uma relação monogâmica lhe seria mais benéfica, visto a necessidade de proteção. O cérebro masculino, ao contrário, é estruturalmente poligâmico pois, como bom perpetuador da espécie, o homem tende a cumprir seu objetivo principal: a reprodução. Daí uma das explicações para que os homens tenham maiores tendências promíscuas e as mulheres sejam tão atacadas pelo ciúme. O valor cultural do matrimônio é o que impõe restrições às tendências instintivas e permite que ambos busquem ser felizes vivendo um para o outro.


PEASE, Allan // PEASE, Barbara. Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor?: uma visão científica (e bem-humorada) de nossas diferenças. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. 192 pgs.
 

sábado, 10 de novembro de 2012

O Estrangeiro (Albert Camus)



     Escrita em 1957, a obra O Estrangeiro encerra um enredo de narrativa seca e extremamente objetiva. É a construção de uma história cujo desenvolvimento expressa uma das ideias centrais do pensamento camusiano: o absurdo.
           Mersault é o jovem protagonista do romance que, logo no início é surpreendido pela notícia da morte de sua mãe. Ao se preparar para a viagem rumo ao enterro, Mersault já demonstra as atitudes que o caracterizam do início ao fim da história: a de uma pessoa fria, sem expressão, pouco sentimental, para quem haja o que houver, tanto o tudo quanto o nada nenhuma diferença faz. Suas atitudes são sempre as mesmas e a forma de encarar a vida é completamente impassível, imparcial e indiferente. Tal comportamento é logo percebido pelo diretor e pelos companheiros da casa de repouso em que sua mãe vivia. Para ele tudo soava como fatos pertencentes a uma realidade óbvia, de forma que não se deixava abalar por nada.
            De volta para casa, Mersault reassume a mórbida rotina de trabalho. Nada parecia mudar de tom, nem mesmo os incansáveis esbravejamentos de seu vizinho Salamano, que vivia só, na companhia de um cão. Até mesmo os encontros com sua namorada Marie, soavam a Mersault como acontecimentos bastante casuais. Em sua vida nada parecia ser diferente, a não ser pelo fato que transformaria seu destino.
            Mersault tinha um amigo chamado Raymond que, havia algum tempo, vinha tendo conflitos com um grupo de árabes, fazendo-o sentir-se perseguido e provocado. O estopim dos desentendimentos se dera em um passeio pela praia. Mersault, Raymond e Marie vinham caminhando quando um dos árabes se aproxima e, numa atitude mal calculada, Mersault o assassina friamente com cinco tiros. Não havia motivo algum de sua parte que justificasse tal crime mas, ao se sentir acuado diante da exibição que o árabe fazia com uma faca, o instinto de sobrevivência falara mais alto. Era o início de um fim, mas para Mersault, até mesmo o crime que cometera era algo indiferente.
           A narrativa dos acontecimentos posteriores toca em pontos elementares, principalmente quando o delegado incita Mersault ao arrependimento e culpa ao mostrar-lhe um crucifixo durante seu julgamento, em que a ausência de emoção surpreende até mesmo o advogado do réu. O procurador recorre a tal comportamento a fim de evidenciar a frieza de Mersault, trazendo à tona também sua falta de comoção diante da morte da mãe, testemunhada pelos internos do asilo. Diante de tal quadro, no qual Mersault se permitira ser levianamente maculado sem expressar qualquer reação que seja, ele é condenado à guilhotina em praça pública.
          Como foi sucintamente demonstrado aqui, a atitude indiferente do protagonista frente às fatalidades que lhe afetam é a maior demonstração da ideia de absurdo do pensamento de seu autor nesse romance. Nem mesmo o diálogo de Mersault com um clérigo que o visitara na prisão, é suficiente para fazer-lhe refletir em suas fontes de significado para a vida. Tal inércia evidencia um importante tópico do pensamento existencialista: o homem que se depara e se angustia diante da própria liberdade, mas de uma forma que essa não faz diferença em seus horizontes de significado. Mersault é um homem livre que se destrói sendo vítima de uma briga que não era sua. Desta forma, Albert Camus delineia alguns traços para reflexão que os conceitos de absurdo e liberdade representam em sua filosofia.

CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 2007. 28ª ed.. 126 pgs.

Assista abaixo a adaptação para o cinema lançada em 1967 
e dirigida por Luchino Visconti:

 

sábado, 3 de novembro de 2012

Três Cruzes (Federigo Tozzi)

tres cruzes          Federigo Tozzi nasceu em Siena, Itália, no dia 19 de janeiro de 1883 e morreu em Roma, no dia 21 de março de 1920. De família camponesa teve sete irmãos, todos mortos antes que nascesse. Andou e vagou por várias cidades e atividades. Tentou ser jornalista e político, mas acabou como funcionário da Cruz Vermelha. Tozzi não era um homem que possuía uma vasta cultura, embora fosse considerado um autodidata. A trajetória de sua vida é triste. Não obstante pertencer a uma família pobre, cercada pelo drama de perder os sete primeiros filhos, sua mãe morreu quando ele era ainda bem jovem. Em seu relacionamento com o pai havia uma verdadeira incompatibilidade de gênios, o que o levou a fugir de casa duas vezes. Como forma de manifestar sua revolta, não só em relação a seu pai, como também em relação à sociedade, resolveu aderir ao partido socialista. Mais tarde aderiu ao catolicismo radical, um catolicismo degradado que vê o homem em um estado de pura animalidade.
          A vida afetiva de Federigo também foi problemática e dolorosa. Teve um amor agitado e inseguro com Isola, uma jovem camponesa que trabalhava como criada em uma das fazendas compradas por seu pai, em Siena. Isola fingia amá-lo, enquanto que, na verdade, tinha outros amantes, com um dos quais chegou a ter um filho. Mais tarde Tozzi casou-se com Emma Palagi com quem teve o filho Glauco. Além deste livro ele escreveu: Con gli occhi chiusi (De Olhos Fechados); Ricordi di un impiegato (Lembranças de um Funcionário); um volume de líricas La zampogna verde (A Cornamusa Verde); o poema La città vergine (A Cidade Virgem); Gli egoisti (Os Egoístas); Verga e noi (Verga e Nós); Il podere (A Herdade), sendo este último e Tre croci (Três Cruzes) seus maiores romances. Estes dois livros foram escritos no mesmo ano e o autor aplicou neles tudo o que sedimentou dentro de si em seus trinta e cinco anos de existência.
          A trama do romance se dá na cidade italiana de Siena. Três irmãos – Giulio, Enrico e Niccolò – gerenciam uma livraria cujo dono é o cavalieri Orazio Nichioli. Dos três irmãos Gambi, Niccolò é casado com Modesta. A história engloba ainda, suas sobrinhas Chiarina e Lola.
          Os irmãos Gambi ambicionam uma riqueza que não tem e nem conseguiriam ter por meio de seus talentos. Diante do vencimento de uma nota promissória, Giulio, o mais melancólico dos três, resolve falsificar a assinatura do cavalieri Nichioli, impedindo a falência dos negócios. A tentativa é bem sucedida em um primeiro momento, garantindo-lhes alguns dias de tranqüilidade. No entanto, os três irmãos vivem uma vida agitada e turbulenta, fruto de sua fraude e principalmente a dificuldade de terem sucesso na vida. São ásperos e ignorantes entre si e com os fregueses, bem como para com Modesta. Nesse contexto se encaixa também a paixão adolescente vivida pela sobrinha Chiarina pelo contador funcionário do Domínio Público de Siena, Bruno Pallini, o qual intencionam se casar.
          Na busca por viverem de aparências, os irmãos procuram mostrar que vivem bem. Mas tudo o que ocorre é um constante engano de uma vida ilusória e irreal que levam. Na proximidade do vencimento de mais uma nota promissória, a saída encontrada pelos irmãos é repetir a assinatura falsificada. A princípio, tudo daria certo. Mas uma atitude desconfiada do banqueiro leva Nichioli a tomar conhecimento da farsa. A situação é ainda mais complicada por terem se tornado mal vistos pela população de Siena. No auge do desespero, cada um enfrenta a crise à sua maneira mas os danos os levariam a um fim trágico. Giulio, autor das assinaturas, sente a vida como uma condenação a sentir prazer no martírio, e sua culpa o leva ao suicídio dentro da livraria. Estarrecidos com o fato, os outros irmãos veem-se esmagados pelo crime que juntos tinham tramado. Mesmo assim tentam seguir a vida. Niccolò procura se aproximar da esposa, mas a crise em que estavam e a morte do irmão, o levam ao declínio. Enfim é acometido por um ataque de nervos, levando-o a uma apoplexia reumática fatal. Enrico, que buscava apoio nos amigos da taberna, se sente plenamente desamparado e passa a viver em um Asilo de Mendicância. Tomado por uma crise de gota (doença comum aos três), que lhe havia contaminado completamente o sangue, morre. A homenagem final cabe às duas sobrinhas que compram três cruzes para enfeitar-lhes os túmulos.
          O escritor absorve, envolve e até intimida o leitor diante de sua forma literária: forma esta, suave, poética, real e expressiva. Federigo Tozzi trabalha a matéria humana, os sentimentos humanos com uma habilidade e com uma sensibilidade de mestre.
A história é trágica, comovente, dramática, mas repleta de passagens sublimes que exercem uma força, um domínio irresistíveis e contagiantes, porém, é óbvio que a amplitude e a intensidade até a qual se pode ser persuadido e arrebatado depende de cada leitor. Mas a sublimidade está na excelência e distinção de expressão. A capacidade inventiva vai surgindo devagar no contexto da obra, o toque de sublimidade é arrasador como um raio, revelando todo o poder e toda a clareza do escritor.
          Considerado seu melhor romance, Três Cruzes foi escrito por Tozzi em apenas quinze dias, em 1918. O enredo é carregado de um pessimismo do início ao fim. Trata-se de uma história dramática e profundamente comovente. Mas mesmo nesse clima trágico, a obra é encantadora pela capacidade do autor em compor os ambientes e conectar os fatos. É um relato da experiência da culpa não trabalhada nem assumida, que se traduz numa bela lição de vida para aqueles que, diante de uma crise, sabem refletir pacientemente nas diversas saídas.
 
TOZZI, Federigo. Três Cruzes. Petrópolis: Vozes, 1990. 118 pgs.