sábado, 28 de outubro de 2017

A Missão (Robert Bolt)

Um dos títulos essenciais para quem deseja aprofundar sobre colonização espanhola, esse livro também teve o roteiro adaptado para o cinema em 1986. A produção foi indicada para diversos prêmios e mereceu o Oscar de melhor fotografia.
O escopo da obra são os conflitos entre as coroas portuguesa e espanhola, decorrentes da assinatura do Tratado de Madri em 1750, bem como a consequente expulsão dos jesuítas no século XXVIII. Um dos personagens principais é Rodrigo Mendonza que, durante a adolescência, após a morte do pai, vendera um barco que recebera em herança e deixara o irmão mais novo, Felipe, no Internato de San Fernando. A partir de então, sua vida fora dedicada a arrecadar o valor necessário para custear a permanência do irmão lá. Com isso, Mendonza torna-se um dos mais bem sucedidos mercadores de escravos nas terras colonizadas pelos espanhóis.
O comércio de escravos tinha um cunho conceitual: quando estavam do lado dos portugueses os guaranis eram denominados escravos; em outro plano, quando estavam do lado dos espanhóis eram denominados encomienda e não recebiam salários. Denominações à parte, as coroas ibéricas questionavam a dignidade humana dos indígenas, justificando assim sua dominação não só sobre suas terras como também a destruição de sua cultura. O capitão-geral, Don Cabeza, era o principal defensor daquela prática hostil.
Os jesuítas, na tentativa de cristianizar os índios, visavam também proteger-lhes da crescente dominação dos mercadores, resgatando-lhes o pouco de dignidade que ainda restava. Ainda assim, apostando que todos os homens brancos eram iguais e perigosos, os índios tinham grande resistência em serem doutrinados. Depois que os guaranis deram um sinal aos jesuítas, crucificando um padre e lançando-o às cataratas do Iguaçu, a determinação de Padre Gabriel, um dos componentes da missão de San Carlos, crescera ainda mais. A música seria o grande trunfo para aproximar e iniciar o processo de evangelização, uma vez que o som do oboé era extremamente encantador aos ouvidos dos nativos.
Em um crime passional, Rodrigo Mendonza assassina seu irmão Felipe. Extremamente abalado pelo delito cometido, decide abandonar o comércio de escravos e juntar-se aos padres da missão, buscando heroicamente expiar seus pecados. Nesse contexto, a permanência da Companhia de Jesus naquelas terras já estava duramente ameaçada. O inspetor-geral Altamirano fora enviado pela corte à missão de San Miguel, dirigida pelo superior provincial Padre Ribero, a fim de verificar a viabilidade de implantação do que fora acordado entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Madri. Uma vez selado o pertencimento das terras à coroa espanhola, a escravização dos índios estaria assegurada e, consequentemente, os padres jesuítas deveriam ser expulsos, a fim de não significarem um entrave aos planos da coroa. Ainda que contrário ao voto de obediência à Ordem, Mendonza decide organizar uma resistência. Padre Gabriel também decide permanecer na missão, porém de forma pacífica. O resultado disso é um dos maiores massacres que a América Latina já contabilizou nas páginas de sua história.
O desfecho dessa história deixa claras as contradições ideológicas da dominação ibérica no Novo Mundo, evidenciando ainda mais o cunho político de suas intenções. Embora a história narre o papel dos jesuítas como um forte agente descaracterizador da cultura dos guaranis, ao impor-lhes o cristianismo como doutrina, por outro lado são eles os maiores defensores da dignidade humana dos nativos, vistos como animais e seres desprovidos de alma aos olhos dos mercadores. Embora as coroas ibéricas também sejam cristãs, seus atos revelam que, para garantir a dominação e o êxito de seus projetos, o extermínio dos nativos e dos religiosos seria uma justificativa plausível, uma vez que qualquer resistência deveria ser duramente combatida. Nesse contexto, temos ainda a história de Mendonza e sua conversão, a partir de um profundo arrependimento e expiação interior. Seu personagem lembra muito a figura de São Paulo que, de perseguidor dos cristãos, tornou-se o apóstolo que levou a mensagem do evangelho para as regiões mais inóspitas. Sem dúvida, Padre Gabriel e Rodrigo Mendonza são as figuras mais emblemáticas desse romance, demonstrando, através de seu martírio, o caráter triunfal do ideal que defendiam, levado às mais duras consequências, porém imaculadamente fiel aos seus princípios.

REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:    Missão, A
Autoria:  Robert Bolt
Editora:  Best Seller
Ano:       1987
Local:     São Paulo
Gênero:  Drama | Histórico

Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 1986:


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O Ladrão de Cadáveres (James Bradley)

A história desse romance se passa em Londres, durante a década de 1820. A julgar pelo título, tem-se a impressão de que a narrativa abordará algum tema de suspense, até mesmo apimentado com um pouco de terror. Contudo, tal expectativa não é correspondida, de forma que a história apresenta-se de uma forma pouco instigante e até mesmo sem um desfecho convincente.
Gabriel Swift é órfão e chega à capital inglesa, onde começa suas aulas com o professor de anatomia Edwin Poll, sob recomendação de seu tutor. Era sua chance de salvar seu futuro, construindo uma carreira sólida no ramo da medicina. As leis daquela época eram bem rigorosas em relação às autorizações para a necropsia, de forma que somente corpos de criminosos devidamente autorizados pela justiça poderia ser submetidos aos estudos de exumação. Nesse contexto, o contrabando era a melhor alternativa para que o ensino da anatomia não fosse prejudicado. Lucan era um dos principais fornecedores desse comércio macabro, saqueando os túmulos dos cemitérios a fim de obter a matéria-prima que era tão importante para os anatomistas. Quanto mais frescos e em menor estado de decomposição os corpos fossem obtidos, maior era o valor que os professores pagavam por eles.
Gabriel não era um aluno vocacionado para a medicina. Seus talentos eram mais desenvolvidos em desenhar as partes que eram dissecadas. No que diz respeito à sua vida amorosa, nutria uma grande afeição por uma prostituta famosa cujo nome era Arabella além de ser um viciado em ópio. Incomodava-o o fato de que tinha de se conformar em dividir a pessoa amada com outros homens, ao ponto de tal paixão levar Gabriel a agredir a pessoa errada, de forma que não lhe restara outra punição senão a dispensa do quadro de discentes do professor Poll. Sem dinheiro e largado pelas ruas, Lucan acaba envolvendo Gabriel em seu ofício macabro de conseguir defuntos e lucrar com esse negócio. Contudo, a obsessão de Lucan pelo lucro levaria a uma onda de assassinatos, no intuito de conseguir vender corpos ainda mais frescos e obter um melhor pagamento com isso. Gabriel se perde no vício e, principalmente, nesse trabalho sujo, perdendo até mesmo sua própria identidade e subvertendo os valores que o ópio ainda não apagara de sua consciência.
Não obstante o resumo anterior seja mais do que suficiente para que um autor de sucesso construa uma história instigante, não é o que acontece com O Ladrão de Cadáveres. Por outro lado, o que temos é uma narrativa cansativa, sem um escopo e um objetivo claros, com personagens confusos e poucos diálogos. Somente a divisão em capítulos curtos é capaz de torná-lo menos monótono. A obra divide-se em duas partes e a segunda tem como objetivo esclarecer um pouco os acontecimentos consequentes da primeira, principalmente depois de Gabriel envolver-se nos assassinatos para sustentar seu vício em ópio. De forma um tanto pior, essa segunda parte deixa a desejar no quesito desenvolvimento e desfecho. Com tantas críticas negativas, talvez possamos tirar bom proveito desse livro se o lermos sob a ótica da reflexão que ele traz sobre algumas dicotomias: vida/morte, vício/prazer, honestidade/corrupção, amor/possessão, etc.. Enfim, é o tipo de obra cuja apresentação visual da capa e o título aguçam o interesse, mas cujo enredo desafia o leitor a investigar a verdadeira mensagem que o autor e principalmente o protagonista ansiaram por transmitir. Trata-se de um livro que trabalha mais com a reflexão ao invés de fornecer um entretenimento leve e divertido.

REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:    Ladrão de Cadáveres, O
Autoria:  James Bradley
Editora:  Record
Ano:       2013
Local:     Rio de Janeiro
Gênero:  Drama

domingo, 8 de outubro de 2017

O Regresso (Michael Punke)



Baseado na saga de um personagem real, essa obra originou o filme homônimo lançado em 2015 cujo sucesso rendeu diversas indicações ao Oscar no ano seguinte, sendo vencedor em três categorias.
A história conta a saga de Hugh Glass, um dos caçadores pertencentes à Companhia de Peles Montanhas Rochosas, fundada por William Henry Ashley. No começo do século XIX, o comércio de peles entre homens e indígenas no oeste norte-americano, além de ser um negócio altamente rentável, era uma forma de garantir o convívio pacífico entre os dois grupos, ainda que muitas tribos fossem relapsas em manter contato amistoso com os homens brancos, como por exemplo, os arikaras e os sioux. Mais precisamente no ano de 1823, o Capitão Andrew Henry liderava uma expedição que subiria o rio Missouri até sua fonte, em busca da matéria-prima da companhia. Num episódio trágico, Hugh Glass é atacado por um urso, travando uma dura batalha com o animal e herdando ferimentos que o deixaram à beira da morte. Compadecido com o estado deplorável do companheiro, Henry decide seguir adiante na missão da companhia, enquanto Hugh Glass seria deixado na companhia de John Fitzgerald e Jim Bridger, para que fizessem dignamente seu sepultamento quando falecesse. No entanto, face ao estado lamentável de desfalecimento de Glass e ameaçados pela aproximação de alguns indígenas, os encarregados o abandonam e roubam suas coisas, especialmente seu estimado rifle Anstadt, deixando-o à mercê dos perigos da floresta e da própria morte.
Nesse contexto inicia o grande tema a que o livro se propõe que é narrar a saga de sobrevivência de um homem alimentado por um único desejo: vingança. As suturas rudimentares que Glass recebera quando ainda estava sob os cuidados do Capitão Henry eram uma pobre garantia de que sua sobrevida ainda se estenderia por algum tempo. Mesmo assim, Glass consegue ir além de suas dores para buscar algum alimento, ainda que esse seja uma carne pútrida de um búfalo que servira de alimento aos lobos. Suas feridas infeccionaram e estavam repletas de larvas quando um encontro que poderia por fim à sua vida faz com que ele receba uma nova chance. Índios sioux haviam-no encontrado e trataram suas feridas. Após, Glass fora levado ao forte Kiowa Brazeau, onde recebera comida e armas, além de aceitar um pedido de se unir a uma expedição. Era uma estratégia para que ele encontrasse o caminho que o levaria até o Forte Union, onde encontraria aqueles que o abandonaram e espoliaram seus pertences.
A característica mais marcante dessa história dramática é a coragem que o protagonista tem em superar seus mais terríveis desafios, animado por um instinto de sobrevivência e vingança incríveis. Não bastasse o estado deplorável de seus ferimentos, Glass ainda consegue valentemente driblar o frio congelante, a fome atroz e até mesmo permanecer oculto dos perigosos índios arikaras. Nessa narrativa, os méritos do autor ao contar episódios mórbidos e até mesmo repugnantes deve ser louvado. Mais do que a defesa da própria honra, vale destacar o instinto de sobrevivência e o impulso que um desejo ardente é capaz de realizar em uma vida, ainda que animado por uma virtude que não é das mais nobres. Ao leitor ficará o sentimento de raiva de alguns personagens enquanto a curiosidade por conhecer o desfecho o fará destrinchar página a página dessa obra que é uma das melhores do gênero sobrevivência escritas até hoje.

REFERÊNCIA LITERÁRIA

Título:    Regresso, O
Autoria:  Michael Punke
Editora:  Intrínseca
Ano:       2016
Local:     Rio de Janeiro
Gênero:  Drama | Aventura | Sobrevivência


Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 2015: