sábado, 26 de dezembro de 2015

Açúcar Amargo (Luiz Puntel)

            Homenageando pessoas que morreram na dura lida do corte de cana, o autor desse livro cria uma história surpreendente onde trata temas distintos, sendo o principal deles a difícil vida rural na colheita da cana-de-açúcar. Uma obra simples, porém profunda ao refletir a questão do trabalho escravo, tão discutida e combatida em variadas épocas e contextos.
            A protagonista da história é Marta, uma adolescente de origem humilde do interior de São Paulo. Vivia com o pai Pedro, o irmão Altair e a mãe Zefa, sendo que os ganhos que o pai e o irmão obtinham na roça eram o sustento da família. Marta era uma garota inconformada com a difícil situação que viviam e com a exploração por que passavam o pai e o irmão. Via nos estudos a esperança de um futuro melhor, mesmo que a contragosto do pai. Num dia corriqueiro, ao voltar para casa é surpreendida pela notícia de que teriam de se mudar, pois o dono da fazenda iria alugá-la para o plantio de cana. Deste modo, acontece o êxodo rural daquela família para uma cidade maior, onde teriam maiores oportunidades.
            Guariba era uma cidade essencialmente formada por boias-frias e suas famílias. Pedro e Altair passaram a trabalhar na colheita de cana, mas um acidente trágico arruinaria ainda mais a vida daquela família. Naquele dia, Marta acordara atrasada, forçando seu pai e o irmão tomarem outra condução. O caminhão que transportava os trabalhadores tombou na ponte do Córrego Grande, deixando vários mortos e feridos. Altair até fora hospitalizado, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no dia de seu aniversário. Desde então, Sr. Pedro sempre julgou Marta culpada pela morte daquele filho trabalhador e dedicado.
            Inconformada com a atitude do pai Marta decidiu ir para a lavoura usando o disfarce de “Mudinho”. Todos se impressionavam com aquele trabalhador calado e ligeiro no corte da cana, melhor do que muitos homens. Contudo, o que era mais difícil para Marta era conciliar o trabalho com os estudos, o que fez com que seu rendimento na escola caísse consideravelmente. Mesmo assim, sua professora Tânia se aproximara amigavelmente da aluna, tornando-se sua maior confidente, principalmente em relação à paixão que Marta vinha sentindo pelo garoto Agenor. Todavia, o ciúme de outra trabalhadora, Ângela, fez com que a farsa de Marta fosse descoberta. Seu plano não poderia mais continuar oculto, mas serviu para mostrar ao pai que ela era tão boa de serviço quanto o finado irmão.
            Marta e Altair se envolveram com as atividades do sindicato e, a situação terrível a que os trabalhadores eram submetidos mobilizou todos para uma greve geral. O resultado foi desastroso devido ao confronto com a polícia, mas culminou num acordo de garantia dos direitos trabalhistas para os boias-frias. Para Marta, no entanto, o que mais significava era a vitória pessoal que obtivera ao reconciliar-se com o pai, uma vez que este finalmente se sensibilizou quando Marta salvara sua vida por duas vezes naqueles confrontos.            Luiz Puntel trata problemas importantes como o êxodo rural, o trabalho escravo e a discriminação para com as mulheres. Paralelamente, a personagem Marta expressa a figura de uma pessoa motivada em melhorar sua própria vida, a daqueles que ama e da sociedade como um todo, ao mesmo tempo em que vivencia as aventuras amorosas da fase da adolescência. Ao invés de encolher-se diante do machismo do pai, ela toma os rumos da própria vida e torna-se a principal mobilizadora da greve geral dos trabalhadores, juntamente com Agenor. A vitória obtida por eles é a máxima expressão de que uma cana sozinha pode ser facilmente quebrada, mas quando formam um feixe dificilmente se rompem. Enfim, Marta é um ícone para juventude de todos os tempos.

REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:   Açúcar Amargo
Autoria: Luiz Puntel
Editora: Ática
Ano:      1997
Local:    São Paulo
Edição:  13ª
Série:    Coleção Vaga-lume
Gênero: Infanto-juvenil | Drama

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A Guerra dos Tronos: graphic novel (v.1) (Daniel Abraham / George R. R. Martin / Bruno Dorigatti)



Os best-sellers de George R. R. Martin pela série Crônicas de Gelo e Fogo são um sucesso mundial, tanto pelos livros quanto pela adaptação feita pela HBO com a série televisiva Game of Thrones. Nesse livro, o mundo de gelo e fogo ganha sua mais nova versão agora em formato de quadrinhos. A mesma história contada em diversas mídias repercute a fama que a franquia adquiriu, conquistando milhares de fãs.
Quem teve contato com os livros de George Martin sabe da disposição que se deve ter para esmiuçar suas centenas de páginas. Essa primeira edição, reúne seis capítulos em quadrinhos que contam parte dos acontecimentos narrados no primeiro volume da série A Guerra dos Tronos. A adaptação realizada pelo roteirista Daniel Abraham é perfeitamente fiel ao enredo de George Martin. Mesmo com o vasto número de personagens da obra original, o estilo gráfico da permite identificar aqueles que são protagonistas nos acontecimentos que são narrados, assim como as diversas histórias individuais que se entremeiam na história principal, formando uma única trama.
A história é basicamente a mesma. No mundo de Westeros, o Rei Robert (Casa Baratheon) e sua comitiva chegam a Winterfell com um convite a seu amigo Lord Eddard (Casa Stark) para assumir o posto do falecido Mão do Rei, Jon Arryn. Eddard aceita, mesmo com as suspeitas levantadas por sua esposa, de que o Mão do Rei anterior havia sido assassinado. Logo surgem novos indícios de que a família dos Lannister (cuja esposa de Robert pertencia) estaria planejando uma conspiração para tomar o trono de ferro. Enquanto isso, muito distante, a princesa Daenerys era dada como esposa a Khal Drogo, em uma união com o povo dothraki que possibilitaria a formação de um exército para retomar o domínio sobre o trono de ferro. O jogo de interesses entre as diversas casas acirrava a disputa pelos domínios e pela honra, de forma que ninguém mais era digno de confiança. Tentativas de assassinato, traições e manobras políticas são as jogadas que os inimigos fazem a fim de, paulatinamente, alcançarem seus intentos.
Aqueles que acompanham a série da HBO talvez esperem que os desenhos dos personagens possam ser semelhantes à fisionomia dos atores. Não é o que acontece na graphic novel, justificada pelo simples fato de que os autores imaginaram uma mídia inteiramente nova e diversa daquelas que já foram lançadas (livro e série televisiva). Contudo, os traços fortes da personalidade de cada um continuam presentes, como a delicadeza de Sansa, o jeito irônico de Tyrion, a nobreza de Eddard e por aí em diante.
O par formado entre prosa e imagem nas histórias em quadrinhos traz uma economia de páginas enorme. A imagem fala por si, dando a dinâmica da ação ao mesmo tempo em que retrata um fragmento da história. A destreza do desenhista Tommy Patterson em ilustrar as cenas adquiriu um acabamento muito elegante com as cores do brasileiro Ivan Nunes. Méritos também para o letrista Marshall Dillon. Para melhor conhecer os passos da quadrinização da história, essa edição conta com um apêndice onde o leitor poderá entender um pouco sobre o trabalho de cada um dos colaboradores dessa produção. No mais, a encadernação é uma excelente opção para aqueles que anseiam por conhecer o trabalho de George Martin, mas desistem quando tomam um de seus enormes livros nas mãos.

REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Guerra dos Tronos 1, A
Subtítulo:  graphic novel
Autoria:     Daniel Abraham / George R. R. Martin /  Bruno Dorigatti
Editora:     Casa da Palavra
Ano:          2013
Local:        Rio de Janeiro
Edição:      1ª
Série:        Guerra dos Tronos HQ - Volume I 
Gênero:     Aventura | Ficção fantástica | História em Quadrinhos 

Confira o trailer da série lançada pela HBO em 2011:

domingo, 6 de dezembro de 2015

O Nome do Vento (Patrick Rothfuss)



         Esse livro inaugura a trilogia A Crônica do Matador do Rei, com uma história recheada de reviravoltas e surpresas. Numa aproximação bastante grosseira, há quem a compare à saga Harry Potter, porém numa versão inteiramente adulta. Não faltam elementos que possam indicar certa semelhança, como a presença de criaturas míticas, mágicas produzidas mediante alquimia e a própria história do garoto protagonista. Contudo, qualquer semelhança é mera coincidência, já que no geral, as duas obras apresentam ficções inteiramente distintas.
         Existem dois planos diferentes em que a vida do protagonista é narrada, em tempos e espaços diferentes. Kvothe é o dono da hospedaria Marco do Percurso que, recentemente, vinha recebendo clientes inusitados os quais afirmavam que criaturas demoníacas tinham sido capturadas na cidade. Um deles em especial, um caminheiro errante identificado com Cronista, chega à pousada e descobre que Kvothe era o personagem lendário de muitas histórias que já ouvira a seu respeito. Nesse ínterim, Kvothe recorda as memórias de seu passado sofrido para que o Cronista as redija e compreenda o porquê ele se tornara uma figura famosa nos arredores de Tarbean e Imre. Além do próprio Cronista, o criado de Kvothe também se torna um de seus admirados ouvintes.
         Kvothe era um garoto feliz com uma família que o amava. Eles pertenciam a uma trupe de artistas de nome Edena Ruh, grandes mestres das artes cênicas. O menino tinha também um amigo mais velho, Abenthy, que de tanto falar sobre uma tal Universidade, fecundara em Kvothe o sonho de um dia estudar lá. Durante uma noite comum, a vida de Kvothe sofre uma reviravolta, quando seus pais e outros membros da trupe são cruelmente assassinados por um grupo misterioso conhecido como Chandriano. Esse episódio poderia significar o fim de uma trajetória bem sucedida em um caminho promissor, não fosse a persistência e a garra inerentes àquele rapaz. Para sobreviver à vida de órfão, Kvothe torna-se de peregrino a mendigo, mas sem jamais perder a dignidade e esperança de conseguir vencer.
         Mais do que o próprio bem-estar, ao sobreviver Kvothe buscava um dia esclarecer a verdade sobre o assassinato de seus pais. Passados alguns anos, ele consegue reunir alguns míseros trocados e parte rumo à Universidade, onde havia informações preciosas à respeito do Chandriano. Lá, sua inteligência e sagacidade fizeram-no ser aprovado nos testes admissionais. Era sua iniciação nas artes da alquimia e dos nomes das coisas, que um dia poderiam levá-lo a se converter em um arcanista pleno. Todavia, a Universidade era um ambiente hostil e cheio de vaidade. Kvothe não era simpático a todos os professores e uma briga com um dos alunos, Ambrose Dazno, selara uma inimizade perigosa. Além disso, os recursos financeiros de Kvothe eram escassos, de forma que o tempo de sua permanência ali era incerto. A música era uma de suas grandes paixões e, ao conseguir comprar um alaúde mediante um empréstimo, ele arrendava alguns trocados em algumas apresentações, o que permitiria prolongar por algum tempo seus estudos.
         Kvothe era talentoso em muitas áreas, mas não nos relacionamentos amorosos. Em uma apresentação ele conhecera Denna, uma garota encantadora que já havia cruzado seu caminho em outra ocasião, mas só agora se dava melhor a conhecer. Alguns fatos inesperados fariam com que os dois passassem por uma das maiores aventuras de suas vidas, quando veriam com os próprios olhos a figura de um dragão, até então retratado apenas nas histórias. Não obstante, esse seria também o episódio que traria enormes riscos à população de uma cidade, de forma que um novo herói teria que surgir.
         O fato da narrativa de seu passado acontecer em um único dia na hospedaria Marco do Percurso é o que faz com que esse primeiro livro da trilogia seja designado como "Primeiro Dia". Mesmo assim, os fatos são narrados sequencialmente, sem saltos longos no tempo, o que permite acompanhar cronologicamente os eventos importantes e secundários da vida do protagonista, de forma que pareçam estar acontecendo naquele momento. Talvez seja essa característica um fator essencial para que a história seja tão envolvente e interessante.
 
REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Nome do Vento, O
Autoria:    Patrick Rothfuss
Editora:    Arqueiro
Ano:         2009
Local:       São Paulo
Edição:     1ª
Série:       Crônica do Matador do Rei - Livro I
Gênero:    Ficção fantástica

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A Sabedoria de Gandhi (Richard Attenborough)



            Esse pequeno livro traz uma coletânea de mais de 150 trechos de cartas, textos, discursos e citações daquele que foi uma das figuras mais influentes do século XX, cuidadosamente selecionadas e reunidas por Richard Attenborough. Como cineasta, o organizador da obra também dirigiu um filme clássico – Gandhi (1982) - sobre o mesmo personagem, vencedor de 8 Oscars.
            Sistematicamente, o organizador classifica os pensamentos de Gandhi em cinco temas: dia-a-dia, cooperação, não-violência, fé e paz.
            Mahatma Gandhi tornou-se um ícone da paz universal ao defender o Estado Indiano por meio de um movimento ativista que pregava a não-violência e a não-agressão. Inteiramente centrado na simplicidade de vida e na austeridade das ações, seguia o princípio da satyaghaha. Daí derivou o movimento indiano de resistência pacífica contra a injustiça, baseado na verdade (satya) e firmeza (agraha), que era tido como o "caminho da verdade". Para além das justificativas instintivas para atos hediondos, Gandhi acreditava que a ausência de qualquer tendência à violência (ahimsa) era um estado natural do espírito humano e é baseado nisso que o ser humano deve buscar a solução pacífica de todos os conflitos, mediante o diálogo, a cooperação e a concórdia. A não-violência é a mais nobre das atitudes e forte expressão da coragem no mais alto grau, dispondo-se até mesmo ao sofrimento. A fé em Deus consistiria em um motor encorajador para essa prática da não-violência e as religiões, ao invés de se confundirem na busca pelo deus verdadeiro, deveriam servir como caminho para o alcance da paz de espírito e a paz universal: "As religiões são estradas diferentes convergindo para o mesmo ponto. O que importa tomarmos caminhos diferentes desde que alcancemos o mesmo objetivo?".
            Em uma abordagem da política das massas, Gandhi considerava que o mais difícil de ser alcançado era fazer com que o povo adquirisse consciência de sua força quando unido em prol do mesmo objetivo. Contudo é importante superar a oclocacia, ou seja, o governo exercido pelas massas, que não pensam e simplesmente repetem inadvertidamente aquilo que algum líder lhes inspira. Era necessário introduzir a lei do povo em lugar da lei das massas.
            Gandhi também ensinava que devia ser dado ao trabalho manual o mesmo valor que era atribuído aos aprendizados intelectuais. Com isso, atacava a tendência a valorizar mais aqueles que discutiam e implantavam os regimes, em detrimento daqueles que executavam os processos, vistos como meros repetidores de processos. Com sua vida humilde e de nenhuma extravagância, o mahatma pregava a simplicidade como fonte de igualdade de todos os seres em sua bela e mais pura essência, de forma que o acúmulo de bens, valores ou títulos não se sobreponham à exaltação da dignidade de pessoa humana que cada um carrega consigo, logo ao nascer.
            Os textos apresentados nesse pequeno resumo da filosofia de Gandhi questionam profundamente os fios que estruturam a sociedade moderna e fazem com que o leitor reflita na atualidade de sua própria vida, assim como nos caminhos próximos ou distantes que o mundo trilha. Contudo, tais ideias podem também tornarem-se estéreis, como simples palavras de um livro de estante, caso não promovam mudanças objetivas. Isso porque, como idealista pragmático que era, para Gandhi, os escritos não possuem valor algum se não forem verificáveis mediante ações concretas e promotoras de mais vida.

 REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:        Sabedoria de Gandhi, A
Autoria:      Richard Attenborough (org.)
Editora:      Sextante
Ano:           2008
Local:         Rio de Janeiro
Edição:       1ª
Gênero:      Filosofia | Hinduísmo

Confira o trailer do filme Gandhi produzido em 1982: