segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Evangelho segundo Jesus Cristo (José Saramago)

          A intrigante figura do Jesus histórico é o pano de fundo do romance de José Saramago. No entanto, a tarefa empreendida pelo autor foi construir uma espécie de paródia da vida de Jesus, já que, mesmo elencando muitos fatos encontrados nas narrativas dos evangelistas – Mateus, Lucas, Marcos e João – Saramago busca dar o contorno de seu ponto de vista, cético e ateu da vida e missão de Jesus Cristo.
          Tudo começa em Jerusalém, quando um mendigo entrega a Maria uma terra brilhante. Ela estava esperando seu filho primogênito, Jesus, que nasce inesperadamente em Belém, durante a viagem de Maria e José para o recenseamento. Nessa mesma ocasião, dá-se um fato que marcaria para sempre a vida de Jesus. Tendo José ouvido a conversa de dois soldados que haviam recebido ordens de matar todas as crianças menores de três anos, nada faz para avisar aos pais e preocupa-se somente em salvar o próprio filho. José sonharia todas as noites como indo matar o filho e Jesus teria o pesadelo de ser perseguido pelo pai. Anos mais tarde, José é crucificado injustamente como subversivo, ao tentar ir em socorro de um vizinho.
          Com o tempo, Jesus abandona a família, de modo enérgico e conflituoso, e vai morar com uma prostituta, Maria de Magdala. Enquanto era pastor de cabras, recebe de Deus a revelação de que era seu filho e devia morrer para cumprir sua missão. Dá-se uma sequência de sinais milagrosos como pescas abundantes, curas de enfermos e expulsão de demônios, os quais provam ao povo sua natureza divina. E assim, para cumprir seu terrível destino traçado nos planos de Deus, após ser traído por um discípulo, Jesus é crucificado e morto.
        Ao escrever seu romance, José Saramago deixa claro que não era seu desejo aprofundar questões teológicas. E á até mesmo impossível fazer qualquer aproximação que seja dos personagens de Saramago com a verdadeira história bíblica. O deus dele é um ser impiedoso, amante dos sacrifícios e da carnificina. Apresenta-se como um Deus que pede a morte simplesmente pela morte, não lhe conferindo um sentido mais transcendental e salvífico. Haja visto que em um momento da obra, se destaca mais a forma como seriam supliciados os mártires do futuro, do que a causa pela qual entregariam suas vidas. Além do mais, a figura de Jesus é a de alguém fraco, indeciso, dominado pelo medo e angústia existencial. Somente a partir da visão de Deus ele se torna consciente de sua filiação divina, porém incumbido de um projeto bem limitado, já que bastaria sua morte para agradar a Deus.
          Um aspecto admirável de O Evangelho segundo Jesus Cristo é a riqueza imaginária que brota da mente de seu autor, tanto na composição dos cenários quanto na narração dos fatos. Um ponto realmente impressionante pela variedade de detalhes e associações. No entanto, mais para o fim da obra, parece que a pretensão de elencar os momentos descritos pelos evangelhos verídicos, associados ao curto período de tempo em comparação com os já descritos, leva o desfecho da obra soar como algo sem sentido, vazio e sem muitas explicações. Isto acaba por desvalorizá-la até mesmo como literatura fictícia.
 
SARAMAGO, José. O Evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 448 pgs.

Um comentário:

  1. Tenho este livro há mais ou menos um ano,e toda vez que o vejo na estante tenho vontade de reler...é uma obra prima.um clássico.

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