sexta-feira, 8 de maio de 2015

101 Experiências de Filosofia Cotidiana (Roger-Pol Droit)


            As vivências do mundo contemporâneo fazem com que as pessoas cumpram diariamente certo ritual predeterminado: acordar, fazer o desjejum, ir ao trabalho/escola/lazer, alimentar-se, fazer a higiene pessoal e dormir. Com isso, não é de se admirar quantas se queixam da falta de tempo em suas vidas, não por ele ser algo que lhes falta e sim por ser insuficiente diante do emaranhado de programações, fazendo com que seja um sacrifício ter que renunciar ou encurtar a atenção dispensada a algo, em função de algo outro. Além do mais, as exigências da vida moderna requerem que tudo seja concebido como fatos isolados, com início, meio e fim determinados, bem como locais adequados. Na contrapartida dessa tendência, o desejo de ser capaz de um emaranhado de coisas faz com que aconteça uma mesclagem das atitudes: para se dar conta da leitura de um livro, deve-se aproveitar a viagem de volta para casa dentro do ônibus e, como se não bastasse o ruído do motor e do vozerio das pessoas, deve-se suportar a música pelos fones de ouvido, pois isso também é um prazer. Apenas um exemplo da mesclagem hodierna.
            Sem a pretensão de tecer um ponto de vista crítico das tendências modernas, Roger-Pol Droit busca salientar que a filosofia enquanto atitude reflexiva, racional ou mesmo fruitiva, é algo mais presente no cotidiano do que se imagina. Em meio às atividades cotidianas, experimentamos diversas ocasiões que podem ser momentos privilegiados de uma intensa experiência filosófica. Alguns fatos simples e corriqueiros que jamais seriam encontrados em tratados extensos e complicadíssimos de filosofia mostram-se como momentos de especial importância para que a essência do numinoso ou uma centelha do que é a coisa-em-si se descortinem desveladamente diante de nosso ser. Perante essas inúmeras experiências, o autor descreve cento e uma, como uma forma simbólica de apontar que são infinitas: ver a própria imagem refletida no espelho, observar a poeira contra a luz do sol, acompanhar uma formiga carregando uma folha, tentar não pensar em nada, imaginar-se dentro de um labirinto, contemplar o próprio corpo em um caixão, visualizar a si mesmo daqui a dez ou vinte anos, aturar os tagarelas, gastar tempo em uma biblioteca, etc.. Todos esses são exemplos de quão rica a experiência cotidiana é para nos fornecer material existencial para nossa reflexão.
            Mesmo que não seja consciente disso, a atitude reflexiva é uma faculdade inata do ser humano, mais do que a racional. Se observarmos bem nosso dia, veremos que a frequência de pensamentos, imagens e associações sem lógica alguma e carregadas de conteúdo imaginário e fantasioso é mais constante do que a complexa construção de pensamentos que possuem nexo ou são factualmente realizáveis. Daí vem a constatação de que a natureza humana é a unidade daquilo que sistematicamente se define como sendo espiritual, biológico, racional, emocional, psíquico, etc.. Dessa forma, filosofar é a ação mais praticada no dia-a-dia.
            A obra de Roger-Pol Droit busca fornecer a centelha inicial capaz de acender o espírito para a atitude reflexiva nas situações mais mórbidas e efêmeras da vida. Por apresentar a filosofia de uma maneira leve e descontraída, torna-se ideal para a iniciação de jovens ou filósofos precoces na busca pelo sentido oculto das coisas. Talvez o seu maior mérito seja desmascarar a imagem de que a filosofia é algo ocioso e até mesmo inútil, quando não difícil ou impossivelmente compreensível. O que importa é ser capaz de experimentar a fruição na atitude de se projetar para além do fisicamente visível ou imediatamente cognoscível e não ter medo de desbravar o belo mistério que repousa nas inconstâncias do ser.

REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:        101 Experiências de Filosofia Cotidiana
Autoria:      Roger-Pol Droit
Editora:      Sextante
Ano:           2002
Local:         Rio de Janeiro
Edição:       1ª
Gênero:      Filosofia

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