sábado, 6 de outubro de 2012

O Castelo nos Pirineus (Jostein Gaarder)


Como uma marca registrada do autor, esta obra também aborda questões filosóficas de maneira romanceada, fazendo com que a reflexão profunda seja objeto de fruição para o leitor. E o que Gaarder apresenta é uma interessante elucidação sobre uma das maiores dúvidas da existência humana: a possibilidade (ou não) de uma vida além-túmulo. Uma história questionadora com um final ainda mais surpreendente.
O título da obra foi inspirado na pintura de mesmo nome do artista René Magritte, Le Chateau des Pyrenées, onde pode ser visto um pequeno castelo no cume de um enorme asteroide suspenso no ar. Dentre as diversas inspirações que tal quadro produz, está a sensação de equilíbrio na conciliação perfeitamente harmônica de seres com propriedades antagônicas. Um certo ar de leveza é transmitido por algo tão grosseiro, rude e pesado. Gaarder usou a imagem dessa dicotomia, por pensar que ela vinha perfeitamente ao encontro do escopo central em que é construída a sua obra: o eterno debate entre fé X ciência.
Solrun e Steinn são um casal de amigos que, 30 anos atrás, haviam sido namorados e juntos experimentaram diversas aventuras. Agora, já adultos e ela casada com Niels Petter e ele com Berit, se encontram via internet e passam a trocar e-mails sobre as vivências da juventude, especialmente sobre um intrigante fato cujo mistério ainda pairava no ar: o caso da “mulher-amora”. O pacto era de que poderiam ser francos um com o outro e abordariam o que quisessem, pelo espaço que fosse necessário. A única condição era de que os e-mails deveriam ser imediatamente apagados assim que fossem lidos ou enviados.
Pintura de René Magritte



Solrun era professora e se interessava por assuntos de parapsicologia,. Sua personalidade era essencialmente religiosa, mística, espiritual, esotérica e emotiva. Isso a fazia crer firmemente que o mistério da vida não se reduz ao aqui e agora, um plano puramente material e passageiro. Para ela haveria uma outra forma de ser pós-morte, mesmo que seja com uma consciência a vagar errante pelo universo. Steinn era climatologista e, portanto, possuía um caráter substancialmente científico, pragmático, cartesiano, racional, empírico, agnóstico, sistemático e lógico. Para ele, o mundo como o vemos hoje é parte de um universo em constante expansão, originado primordialmente pela explosão do Big Ben. A vida teria surgido como consequência improvável de uma cadeia evolutiva produzida pelas leis e fenômenos que lhe garantem equilíbrio e estabilidade. Dessa forma, ela não é o ápice de uma criação divina e menos ainda a razão de ser de tudo o que é. A vida humana é apenas uma parte ínfima e insignificante de um universo macroscópico. Para Steinn, se houve alguma força sobrenatural, essa teria existido antes da explosão originária, uma vez que, tendo ocorrido isso, o universo passou a ser regido por leis próprias, dispensando a intervenção de deuses. Para Solrun, ao contrário, a essência divina é algo místico que perpassa por toda a dinâmica da natureza.
No entanto, toda essa discussão é um mero devaneio diante do maior mistério que os dois haviam vivido: um acidente na estrada de Hemsedalsfjell (Noruega) com uma mulher do lenço cor-de-rosa (“mulher amora”). Era ela a figura mais intrigante que os dois já haviam encontrado e que lhes deixara a dúvida jamais sanada: o que é a morte perante a vida?
A obra de Gaarder inteligentemente não visa apresentar explicações conclusivas mas sim suscitar um olhar questionador sobre a essência do existir e ser cônscio disso. O debate que permeia o texto se interpõe num plano platônico: uma dualidade clara entre corpo X espírito, mundo material X mundo espiritual, conhecimento intuitivo X conhecimento racional, ciência X fé. Vale a pena percorrer essas páginas a fim de que o leitor se permita um teste acerca de suas próprias convicções.

GAARDER, Jostein. O Castelo nos Pirineus. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 180 pgs.

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