Mais uma vez usando sua capacidade
reflexiva, fruto de uma carreira como docente em Filosofia, que lhe inspirou na
elaboração de sua obra mais famosa, O
Mundo de Sofia, Jostein Gaarder desta vez procura confrontar a iminência da
morte, como uma forma de entender a carga de sentido da vida.
Cecília Skotbu é uma garotinha
portadora de câncer, em estágio terminal. Mesmo não reclamando continuamente de
dores, sente que seu corpo se enfraquece cada vez mais, mas mesmo assim
acredita firmemente que vai ficar boa. Sua queixa principal era não poder fazer
diversas coisas que as outras crianças faziam e estar impedida de esquiar na
neve. Confinada a maior parte do tempo dentro de seu quarto e presa a sua cama,
Cecília via o mundo apenas de sua janela. No entanto, seus pais e avós
dedicavam-lhe todo o carinho e atenção, mesmo sentindo o coração apertado por
serem tão impotentes diante de sua doença, restando-lhes apenas se conformarem
com o que inevitavelmente aconteceria a Cecília.
Em uma época de Natal, quando as
atenções de todos voltavam-se para os preparativos finais da tradicional
celebração em família, Cecília recebe uma estranha visita: um anjo chamado
Ariel. Em um primeiro momento, surpresa diante daquele estranho ser, Cecília
logo se simpatiza com o anjo e começa a se abrir. O mesmo acontece da parte do
anjo, que se revela um grande companheiro para a solitária menina. Cecília e
Ariel começam a conversar sobre diversas coisas existentes no céu e na terra.
Nesse diálogo, Cecília aproveita para esmiuçar suas dúvidas acerca do agir de
Deus, a natureza dos anjos, o paraíso celestial, o companheirismo dos anjos da
guarda, etc.. Encantada diante de algumas respostas, Cecília anota frases
interessantes em seu caderninho chinês, que conservava debaixo de sua cama,
meditando em seu coração aquilo que registrava. Por outro lado, Ariel revela
sua curiosidade em compreender coisas como o que é ter o corpo revestido por
uma pele, como é sentir o gosto e o cheiro das coisas e como são as sensações
de frio, calor, bem como a sensação da dor. Dessa forma, fica clara a distinção
entre as naturezas angelical e humana.
Com o passar do tempo, a amizade
entre Ariel e Cecília se estreita cada vez mais. Ajudada pelo anjo, a menina
finalmente consegue voltar à montanha e esquiar, além de fazer diversas outras
coisas de que se afastara desde que adoecera. Ariel se tornara visivelmente o
anjo da guarda que sempre fora para Cecília, mas que demonstra sua amizade
sincera, até o momento em que a menina adormece serenamente em sua cama, para
nunca mais acordar.
Através
do Espelho busca enfatizar, por meio do carisma infantil, o outro lado da
existência humana. A presença do anjo junto a Cecília se torna a melhor maneira
de fazer com que ela não se sinta só em um momento que sua mente infantil não
seria capaz de compreender a dor que sua morte traria a sua família. O diálogo
entre os dois é rico em sentido existencial, uma vez que o fato de poder sentir
o gosto dos alimentos, tocar a neve macia e vê-la se dissolver, sentir o calor
do fogo em uma noite de inverno se tornam motivos mais do que suficientes para
cuidar, preservar e reverenciar a vida como a mais bela expressão do ser. Desta
forma, na linguagem cândida das crianças perceberem e falarem do mundo, Jostein
Gaarder busca dissociar nos mistérios simples da vida, o sentido oculto da
palavra morte. Somente uma vida vivida com intensidade torna-se capaz de
aceitar com serenidade o fim de tudo o que é belo, para dar lugar a tudo o que
é novo.
REFERÊNCIA
LITERÁRIA
Título: Através do Espelho
Autoria: Jostein Gaarder
Editora: Companhia das Letras
Ano: 1998
Local: São Paulo
Edição: 1ª
Gênero: Romance
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