A evocação de nomes de grandes
personagens históricos em romances exige do escritor um trama cuidadosamente
construída, a fim de que os admiradores não julguem a riqueza literária da obra
pela biografia real do personagem. Em Os
Ossos de Deus, o autor italiano Leonardo Gori demonstra com maestria sua
capacidade de construir uma ficção, de forma que o leitor fique curioso por
descobrir quais partes do romance se mesclam com realidade dos fatos.
A história se passa no período do
Renascimento Italiano. Nicolau de Bernardo Maquiavel, primeiro-secretário da
República de Florença, viaja em companhia de Durante Rucellai, médico e
cavalheiro, e Ginevra, esposa deste. A mando de Piero di Tommaso Soderini,
gonfaloneiro e magistrado municipal da república, tinham a missão de vistoriar
as obras em Gran Villa do Arno, local onde vinham sendo feitas escavações para
desviar o curso do Rio Arno, em uma manobra política contra o povo de Pisa. As
obras estavam sob a responsabilidade do chefe Michele Almieri mas haviam sido
projetadas por Leonardo di ser Piero da Vinci que, além de outras, reunia em si
as qualidades de escultor, pintor, arquiteto, cientista e anatomista. Era o
nome mais famoso de sua época, grandioso principalmente por ter projetado uma
máquina movida a tração animal por extrema importância nas obras do Arno.
Com as obras estava indo tudo bem.
Contudo, o misterioso aparecimento de cinco corpos de mouros (escravos
provenientes da África) e macacos intrigara bastante Durante e Nicolau,
principalmente por apresentarem sinais de que foram submetidos a autópsia. Tal
procedimento era considerado abominável e ultrajante para a cultura da época. Além
disso, Leonardo havia desaparecido após os terríveis acontecimentos e nenhum
dos operários levantara indícios sobre seu paradeiro, tornando-o o principal
suspeito dos crimes. Desta forma, Nicolau e Durante iniciam uma investigação
sobre os fatos, os quais são agravados pelo encontro de Filippo del Sarto,
filósofo e cientista de Pádua, assassinado misteriosamente em Livorno. Em cada
cena o autor deixava inscrições ininteligíveis como pista.
Leonardo da Vinci é uma figura
astuta e perspicaz. Seu interesse maior era encontrar as obras dos filósofos da
antiguidade Herófilo e Erasístrato. Com elas, poderia apresentar provas
convincentes de sua teoria que, segundo pensava, poderia abalar os pilares da
cristandade. Era a “arma secreta” de Leonardo, em que descobrira que os homens
não haviam sido criados por Deus, conforme ensina o relato bíblico do Gênesis,
mas descendiam diretamente dos macacos de uma forma evolutiva, por obra
selecionadora da natureza e por transformações do sêmen. Tal concepção era
considerada heresia pela Igreja na época, pois ataca incisivamente a tese do
poder criativo de Deus. Além do mais, conceber a natureza humana como
proveniente de um animal seria rebaixar sua condição ao invés de elevá-la.
A obra de Leonardo Gori conserva
certos traços de semelhança com os polêmicos livros de Dan Brown, embora sem
muita repercussão. Um grande diferencial entre as obras dos dois autores é que
Leonardo Gori restringe a polêmica de sua trama ao contexto social em que ela é
narrada. Ou seja, ideias que hoje não representam tamanho impacto no mundo
contemporâneo, seriam por demais absurdas na cultura daquela época. Vale
destacar a veracidade dos personagens e da alusão a suas ideias, em especial de
Maquiavel, para o qual a crueldade é admissível apenas quando visa bons
propósitos, uma vez que o dever do Príncipe é preservar o Estado. Sendo assim,
ela é uma consequência necessária da suspensão emergencial das leis, visando
fins bons. A teoria desenvolvida por Leonardo da Vinci faz lembrar muito a
Teoria da Origem e Evolução das espécies de Charles Darwin.
Dessa forma, permitindo ao leitor fazer o
entrelaçamento dos conhecimentos , a obra se apresenta com um rico valor
literário. No entanto, exige atenção no acompanhamento do enredo, uma vez que o
autor promove a transição de cenários, às vezes, de um capítulo para outro,
permitindo que um leitor distraído ou desatento perca facilmente o fio da
história. Talvez esse seja o único ponto falho da obra como um todo, pois
dificulta a compreensão do cerne da trama.
GORI, Leonardo. Os Ossos de Deus. São Paulo: Editora
Planeta do Brasil, 2010. 288 pgs.
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