Dotados
de super-poderes especiais, trajados em collants
coloridos e com designs modernos,
imbuídos de atitudes nobres e altruístas, os super-heróis são ídolos
mundialmente famosos e inspiradores do agir ético em uma legião de fãs.
Contudo, uma abordagem filosófica desses seres irá revelar muitas surpresas, à
medida que analisa traços que talvez fiquem em segundo plano, concentrados que
estamos em vê-los em atuações espetaculares. É esse o objetivo desse livro
magnífico, que reúne artigos de professores renomados, mas também amantes das
histórias em quadrinhos que retratam os épicos super-heróis.
Os
textos abordam os personagens de sucesso da Marvel e DC Comics. Os temas giram
em torno do dever moral, o mundo existencial, o agir ético e o horizonte de
significado dos super-heróis. Portanto, cabe um pequeno aperitivo das questões
mais significativas pelas quais os autores tecem suas análises.
Um
dos maiores ícones do heroísmo nos quadrinhos, a figura do Super-homem tem uma
natureza paradoxal: ao mesmo tempo em que exercita seu caráter altruísta, também
alimenta sua necessidade de pertença à raça humana. É a melhor expressão do ser
humano plenamente realizado. Dessa forma, é colocada uma questão que perpassa a
conduta de todos os super-heróis: o agir moral está diretamente atrelado ao seu
ser humano. Eles poderiam escolher viverem como pessoas normais, mesmo possuindo
poderes que os distinguem das demais. Contudo, são animados por um dever moral
de fazer o bem. Concomitantemente, quanto maiores os poderes, maiores as
chances de poder ajudar e consequentemente de correr riscos. Recordemos aqui o
que disse o tio de Peter Parker (Homem-Aranha): “Um grande poder traz consigo uma grande responsabilidade”. A maior
virtude desse heroísmo é a mensagem moral da importância do autosacrifício,
autodisciplina e dedicação a uma causa nobre que direciona o agir ético na
tradição filosófica.
Os super-heróis exercem
o papel de vigilantes. Contrariando aquilo que falou o filósofo John Locke,
eles são cidadãos especiais que promovem a justiça pelas próprias mãos. Assim,
a violência é legitimada, desde que seja para coibir as ações dos infratores.
Deste modo, são como policiais especiais a serviço dos governos. Contudo,
quando tais governos não concordam com o agir dos super-heróis, eles passam a
serem inimigos do Estado, agindo de maneira ilegal, irresponsável e violenta. Trata-se
de uma polêmica à parte que reflete sobre até que ponto a conduta em prol do
bem comum é permissível quando necessariamente deve infringir certas leis. É o
que acontece nas edições de Watchmen
e Batman: o cavaleiro das trevas.
Curiosamente, nas HQs
dos super-heróis a religiosidade não é um tema presente. Exceção para o
Demolidor, em que a história deixa claras as raízes católicas dos pais de Matt
Murdock. Por outro lado, honra e glória são virtudes constantes. A trama do
Quarteto Fantástico e sua missão de livrar o planeta Terra do apetite voraz de
Galactus abordam um tema importante: o sacrifício da vida de um só individuo
justificaria o salvamento de milhares de outros? A conduta dos heróis sempre irá
privilegiar a salvação de todos os envolvidos, buscando-se a melhor alternativa
para que o mal seja dissipado sem nenhuma vítima.
As HQs dos X-men e,
especialmente a franquia de filmes lançados pós-11 de setembro, deu também à
mulher o caráter de heroína, um papel que vinha sendo atribuído somente aos
homens. Dos personagens da Marvel, destacam-se Tempestade (a melhor expressão
da figura heroína), Mística (símbolo da anti-heroína) e Jinn Gray (marca da
heroína com menores poderes, contudo maior protagonismo no que diz respeito à
entrega total pela causa). Os super-heróis inspiram a busca por um caminho de
perfeccionismo moral. Não obstante, longe de seguir-lhes o exemplo como se
fosse uma cópia, tal perfeccionismo indica que, inspirado em suas ações, deve-se
buscar atingir o melhor que cada um pode chegar. É o que acontece com Bárbara
Gordon, a Batgirl.
Batman é o mais solitário dos super-heróis. A
plena dedicação a sua missão, proveniente do trauma gerado pelo assassinato de
seus pais, impede que ele se revele e se confie a muitas pessoas. E abertura é
um fator fundamental para que ocorra uma relação de amizade. Por outro lado, os
membros da Liga da Justiça são analisados como componentes de uma família
perfeita, pelo comprometimento um com o outro, ainda que existam certos
contratempos.
A história de Hulk é um prato cheio para a
questão da identidade existencial. Afinal, Bruce Banner e o Incrível Hulk são a
mesma pessoa? Quais traços permitem a continuidade dessa identidade, mesmo que
sejam criaturas totalmente distintas? Que conclusão pode ser tirada disso?
Outro tema relevante trabalhado pelas histórias
em quadrinhos, diz respeito aos multi-universos. Isso é notável principalmente
nos episódios em que determinado personagem tenta voltar no tempo para modificar
a história. Metafisicamente, é possível voltar ao passado vivendo no presente e
assim modificar o futuro? Não seriam duas dimensões diferentes de um mesmo
tempo atual? Esse debate é um dos mais controversos da história da filosofia.
Pelas rápidas considerações destacadas, tem-se
uma noção da riqueza desse material para aqueles que desejam ver os super-heróis
para além da adrenalina característica de suas representações, seja nos
quadrinhos, desenhos animados ou no cinema. É um livro completamente abrangente,
capaz de ressaltar o efeito humanizante que cada personagem transmite. Dessa
forma, é possível também compreender o porquê tais personagens exercem um poder
místico em tantas pessoas, comparável somente ao efeito catatônico que as
religiões produzem em seus fiéis. Seriam os super-heróis os deuses que a
cultura criou como quimeras mantenedoras de uma sociedade mais justa,
equilibrada e feliz?
REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título: Super-herois e a Filosofia
Subtítulo: verdade, justiça e o caminho socrático
Autoria: William Irwin (org.)
Editora: Madras
Ano: 2009
Local: São Paulo
Gênero: Super-herois | Filosofia
Nenhum comentário:
Postar um comentário