Totalmente enraizada na cultura brasileira,
a obra Auto da Compadecida (1955) surge da tradição nordestina. Como
é esclarecida por seu próprio autor, a peça de teatro não foi completamente
inventada em sua mente, mas surgiu a partir dos poemas e romances de literatura
de cordel. Dentre esses, os que mais influenciaram foram O Dinheiro (Leandro Gomes de Barros), História do cavalo que defecava dinheiro (anônimo) e O Castigo da Soberba (anônimo). Em cada
ato da peça escrita por Suassuna, os traços e paralelos com esses textos são
bastante visíveis.
Na pequena cidade nordestina de Taperoá,
viviam dois amigos: João Grilo e Chicó. O primeiro, esperto e inteligente,
usava de sua astúcia para livra-se de situações embaraçosas ou se beneficiar
delas. O segundo, medroso e indeciso, por vezes atrapalhava os planos do amigo,
fazendo com que fossem desmascarados. Assim viviam a vida tranquilamente no
povoado, até que um fato inusitado mudara o rumo de tudo.
Os patrões de João Grilo, um padeiro e
sua mulher, haviam perdido um cachorro que estava doente e muito estimavam. Diante
de tal afeto, João Grilo e o amigo Chicó procuram o padre, para que faça o
enterro do animal com todas as honras das exéquias. Em um primeiro momento
assustados com tal horrendo sacrilégio, o padre e o sacristão somente se deixam
convencer quando João Grilo os engana dizendo ser o animal de um habitante de
renome em Taperoá. Este, Antonio Moraes, procura o padre para que benza seu
filho doente e fica alarmado quando o clérigo se dirige a ele como se seu filho
fosse um animal. Mesmo a contragosto, o padre autoriza o sacristão a fazer o
enterro em latim. No entanto, a situação se agrava ao chegar aos ouvidos do
bispo, bem como os maus tratos que Antonio Moraes recebera.
O envolvimento do bispo na história faz
João Grilo recorrer a um novo estratagema: a afirmação de que o cachorro
deixara um testamento concedendo alguns valores aos ministros da igreja. Bispo,
padre e sacristão aceitam revisar o cometimento do pecado mas um novo
personagem muda o curso da história. O cangaceiro Severino e seu capanga chegam
à cidade e matam os religiosos, o padeiro e sua mulher. Ao chegar a vez de João
Grilo e Chicó, mais uma vez a astúcia de João livra o amigo, ao preço de sua
própria vida, depois de morrerem o cangaceiro e seu comparsa.
No terceiro ato dá-se o julgamento dos
réus diante de Manuel (vulgo Jesus Cristo) e do Encourado (o demônio). As acusações
aos religiosos de sodomia, interesses contrários ao evangelho e mau cumprimento
dos ritos eram graves. Ao padeiro pesava a queixa de explorar os funcionários e
a sua mulher, a acusação de adultério (por sinal, cometido com Chicó). Aos cangaceiros,
o fato de serem assassinos. Por fim, a João Grilo vinha a acusação de enganador
e mentiroso. Os pecados cometidos eram graves e até mesmo Manuel via a
dificuldade na salvação. Porém, o apelo a Virgem Maria, a Compadecida,
transformaria toda a história, por incrível que pareça, graças a mais uma das
artimanhas de João Grilo.
Uma das características mais marcantes
dessa obra é seu acentuado tom cômico e humorístico. A reprodução quase literal
das falas dos personagens com o típico sotaque regionalista ajuda a ilustrar
divertidamente a cena no imaginário do leitor. Um grande sucesso não só na
literatura como também em suas adaptações para os palcos e para o cinema.
SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 35ª ed.. Rio de
Janeiro: Agir, 2005. 188 pgs.
Confira o trailer
da adaptação para o cinema lançada em 2000:
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