da gente se forma mais forte do que o poder do lugar.
Viver é muito perigoso...” (p.25)
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo a 27 de Junho de 1908. Seus estudos primários foram feitos em Belo Horizonte e São João del-Rey. Em 1925, matriculou-se na então "Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais", com apenas 16 anos.Em 27 de junho de 1930, casou-se com Lígia Cabral Penna, de apenas 16 anos, com quem teve duas filhas: Vilma e Agnes. Ainda nesse ano se formou e passou a exercer a profissão em Itaguara, então município de Itaúna (MG), onde permaneceu cerca de dois anos. Foi nessa localidade que passou a ter contato com os elementos do sertão que serviram de referência e inspiração a sua obra. Guimarães Rosa serviu como médico voluntário da Força Pública (atual Polícia Militar), durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Em 1933, foi para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Aprovado em concurso para o Itamaraty, passou alguns anos de sua vida como diplomata na Europa e na América Latina. Exerceu, como primeira função no exterior, o cargo de Cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942. No contexto da Segunda Guerra Mundial, para auxiliar judeus a fugir para o Brasil, emitiu, ao lado da segunda esposa, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, mais vistos do que as cotas legalmente estipuladas, tendo, por essa ação humanitária e de coragem, ganhado, no pós-Guerra, o reconhecimento do Estado de Israel. Aracy é a única mulher homenageada no Jardim dos Justos entre as Nações, no Museu do Holocausto, em Israel. No Brasil, assumiu a cadeira para Academia Brasileira de Letras em 1967. Faleceu no Rio de Janeiro, em 19 de novembro. Se o laudo médico atestou um infarto, sua morte permanece um mistério inexplicável, sobretudo por estar previamente anunciada em sua obra mais marcante – Grande Sertão: Veredas -, romance qualificado por Rosa como “autobiografia irracional”.
Nesta obra, Riobaldo Tatarana é um jagunço do bando de Zé Bebelo, a vagar pelo sertão do norte de Minas Gerais. Em meio a essas aventuras, se mesclam os sentimentos de Riobaldo, o próprio narrador, que conta suas vivências e encontros, angústias e desencantos, na sofrida luta de jagunço na travessia do Sertão. Chega um dia e o líder do bando morre, deixando-lhe a impressão de que seu olhar derradeiro o intimava ser novo chefe. No entanto, por voto e escolha dos companheiros, outro jagunço é escolhido. Caminheiro sem rumo nem fututo certo, Riobaldo é alguém que não deixa a crueza de sua lida roubar-lhe a sensibilidade. Além disso, sabe ser afetivo e conservar grande apreço pelos companheiros. Prova disso é seu amor por Reinaldo Diadorim, amigo entre todos o mais estimado. Amor de carne e coração. Enciumado.
O Sertão é lugar de travessia, descoberta. É o espaço da própria vida, na sucessão de seus acontecimentos e interpretação das experiências: “A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquilo hoje vejo eu era como se fosse diferente pessoa” (p. 98). É onde se dá a surpreendente trama de amor, mistério, conflito, amizade, dor, paixão, superação e traição. Riobaldo sente tudo isso e passa de jagunço errante para jagunço com objetivo, quando o companheiro Hermógenes trai o resto do bando, assassinando o líder Joca Ramiro. A guerra estava declarada. Riobaldo, eleito novo chefe, dedicaria seus dias para vingar o falecido e proteger o querido amigo Reinaldo. Uma batalha dolorosa e arriscada estava firmada. Porém, é neste horizonte de conflito e vingança que Riobaldo desvenda um mistério o tempo inteiro presente, mas sempre mantido em segredo. Suas motivações vinham de diversas paixões: Otacília, Rosuarda e... Diadorim. Mas qual dos três era mais amado? Por quê? Eis aí o grande mistério!
Com um estilo literário estritamente individual e recheado de neologismos, João Guimarães Rosa busca pintar um quadro nítido da figura do sertanejo: seu linguajar característico, sua amarga vida, sua subjetividade sonhadora. O Sertão é o espaço das descobertas. É travessia: “Viver – não é? – é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender a viver é que é o viver, mesmo.” (p. 585). Tudo isto fica impregnado afetivamente na memória do narrador-personagem Riobaldo Tatarana.
Enfim, a obra Grande Sertão: Veredas é um best-seller da literatura brasileira que se consagra pelo teor de sua profundidade. No início é amarga, devido à difícil linguagem e interpretação das intenções do autor, mas ao final torna-se doce pelo significado da história de um jagunço que soube fazer da dureza do Sertão, a vereda de uma bonita travessia.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. 608 pgs.
Confira um trecho da minissérie adaptada lançada em 1985:
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