sábado, 29 de março de 2014

A Párabola do Pai Misericordios: à luz do quadro de Rembrandt “O Regresso do Filho Pródigo” (Álvaro Barreiro)

parabola do pai misericordioso"Sede misericordioso como vosso Pai é misericordioso" 
(Lc 6, 36)

          O autor é membro da Companhia de Jesus. Este livro surge como uma síntese de sua experiência, extraída de uma série de retiros dados por ele nos últimos três anos antes de sua primeira edição.
          O objetivo de Álvaro Barreiro é contemplar, de forma orante, a parábola do Pai Misericordioso (Lc 15, 11-32) contada por Jesus, retratada no quadro de Rembrandt "O Regresso do Filho Pródigo", pintado em meados do século XVII. No entanto, outros aspectos são assinalados no que diz respeito à misericórdia de Deus nos evangelhos.
          O evangelista Lucas relata três parábolas dos perdidos: 1ª) A ovelha perdida (15, 3-7); 2ª) A moeda perdida (15, 8-10); 3ª) O Pai Misericordioso (15, 11-32). Nas três vemos a semelhança pelos temas da alegria pelo reencontro, a procura de Deus pelo pecador e a espera. Também se destaca o significado da refeição em comum, o que no tempo de Jesus adquiria um sentido especial de aproximação, confiança, paz, alegria, comunhão entre os convivas, no intuito de manter essa comunhão diante/com Deus. Três aspectos estão presentes nessas parábolas: 1º) Teológico: Deus oferece seu perdão a todos, especialmente aos marginalizados e excluídos da sociedade; 2º) Cristológico: a práxis de Jesus revela a sua experiência do amor do Pai, totalmente conforme seu ensinamento; 3º) Eclesiológico: a mesma experiência de Deus que levou Jesus ao encontro dos pecadores, deve levar a Igreja ao encontro dos marginalizados hodiernos.
          Álvaro analisa cada figura da parábola (e do quadro) separadamente. Ao pedir a partilha dos bens, o filho mais novo age conforme o direito judaico a ele conferido, de acordo com Lv 21, 17. É um processo de emancipação. A ruptura com o pai, que para o filho era sinal de liberdade, revela-se como uma partida para a alienação, a solidão e a perdição. Expressões da parábola como "pai distante", "patrão" e "porcos" servem para demonstrar a que grau de perdição o filho mais novo chegou. Aquela, remete a um distanciamento da comunhão familiar, uma perda de laços; essa, ao fato de o serviço a um patrão pagão ser contra a lei judaica; esta outra, devido a mesma lei considerar o porco um animal impuro, de forma que ao alimentá-los, o filho mais novo fazia crescer o que havia de imundo no mundo. Somente no auge de sua degradação ele "cai em si". Em sua reflexão, mesmo decidido a retornar, sente que perdeu a dignidade de filho e devia ser tratado como empregado, uma vez que "a 'ruptura' era irreparável, a 'culpa' incurável, a 'mancha' indelével" (p. 54). A decisão de retornar do filho é motivada, primeiramente, por uma questão de sobrevivência: "Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome!" (Lc 15, 17).
          Jesus contou as parábolas relatadas no capítulo 15 de Lucas como uma resposta aos fariseus, que eram incapazes de admitirem a convivência dele com os pobres e pecadores. A figura do filho mais velho representa, primeiramente esses fariseus, e depois, cada um que se fecha à misericórdia de Deus para com os perdidos. O rancor do filho revela um distanciamento do pai e um rompimento pela recusa, de forma que seu discurso demonstra a autosuficiência da justiça farisaica e sua carência afetiva, autocompaixão, inveja e ressentimento. Em virtude disso, sua figura é ambígua: ao mesmo tempo em que ele é o "filho bom" por observar todas as leis e obedecer ao pai, ele é o "filho mau" por deixar transparecer que o pai é injusto ao acolher o filho perdido.
          Alguns traços sobre a figura do Pai chamam atenção no quadro de Rembrandt: as mãos do pai - uma forte e viril, a outra de dedos finos e alongados, à altura do peito - recordam a imagem de um Deus pai/mãe; o manto, sinal da acolhida e proteção ao filho; o rosto do filho, semelhante ao de um feto, simbolizando que somos pessoas em formação. A postura curvada do pai simboliza um gesto de plena acolhida ao filho perdido, anulando seu passado e convidando-lhe a abraçar uma nova vida. Um paralelo da parábola do Pai Misericordioso com a do dono da vinha (Mt 20, 1-15) mostra que o Deus proclamado por Jesus não se comporta segundo as leis que regem as relações sociais, nem como a teologia dos escribas e fariseus. Por causa disso, ele é um Deus desconcertante.
          Tanto no relato evangélico quanto no quadro de Rembrandt, o desfecho da história fica em aberto. Jesus foi o verdadeiro filho pródigo que, não na condição de filho rebelde, mas sim de filho obediente, percorre o mesmo caminho de esvaziamento, a fim de conduzir a humanidade perdida ao retorno à casa do Pai. Cada um é convidado a fazer esse caminho de conversão.
          Ao escrever o livro, o autor deixa claro que deve ser lido em espírito orante, na busca por revisar a própria vida e, identificando-se com o filho mais novo ou o filho mais velho, voltar o próprio coração para o do Pai. O encontro com sua misericórdia deve impulsionar a assumir a paternidade espiritual, o qual é o comprometimento com os "perdidos", aliviando-lhes as penas e dores. Na figura do Pai Misericordioso, três expressões auxiliam a assumir a paternidade espiritual: a dor, que faz-nos sair das "zonas de conforto" e ir ao encontro dos "perdidos"; o perdão, que consiste na capacidade de amar ao outro, mesmo ante suas quedas repentinas; a generosidade, capacidade de restituir a dignidade perdida.
          Enfim, Álvaro Barreiro sugere três modelos úteis para a prática da misericórdia na contemporaneidade: 1º) a contribuição específica, na qual cada um, através de sua qualificações profissionais ou daquilo que sabe fazer, dedica tempo a atender às necessidades de outros; 2º) a alternância dos momentos, que convida a alternar sua vivência no "luxo" e no "lixo"; 3º) a encarnação, em que alguns se dedicam plena e exclusivamente à causa dos pobres e perdidos. Com isso, cumpre-se o que diz P.e Pedro Arrupe: "Todos pelos pobres. Muitos como os pobres. Alguns como os pobres".
 
BARREIRO, Álvaro. A Parábola do Pai Misericordioso: à luz do quadro de Rembrandt "O Regresso do Filho Pródigo". São Paulo: Loyola, 1998. 144 pgs.

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