Uma obra literalmente inovadora no
que diz respeito à literatura policial, Elite
da Tropa encerra a mesclagem da realidade sob o véu da ficção em sua melhor
forma. É a primeira obra policial brasileira que retrata de forma clara e
concisa o cotidiano vivido pelos profissionais da segurança pública. Não é um
livro de que se pode esperar grande riqueza literária ou rebuscamento de
linguagem. Pelo contrário, a narrativa fria, seca, direta e repleta de
referências ao linguajar típico dos morros, contribui para aproximar o leitor da
realidade narrada. Trata-se de uma obra composta em parceria por três autores:
Luiz Eduardo Soares, antropólogo e então Secretário Municipal de Valorização da
Vida e Prevenção da Violência de Nova Iguaçu (RJ); bem como André Batista e
Rodrigo Pimentel, ex-combatentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais
(BOPE), de que trata a história.
O livro se divide em duas partes. Na
primeira, intitulada “Diário de Guerra” é
apresentada uma coletânea de textos que demonstram o processo de treinamento
duro dos oficiais do BOPE e seu esquema de atuação nas favelas do Rio de
Janeiro. Como é explicado pelo autor na introdução, trata-se de relatos com
nome e fatos fictícios mas que, longe de se tornarem trechos de uma mera ficção
cinematográfica, expressam precisamente o clima de violência e hostilidade do cotidiano
do BOPE. Além do mais, é exaltada a fidelidade ao dever policial que cada
membro é ensinado a adquirir e cultivar, dever esse que, por ser esquecido,
torna-se a fonte de corrupção entre os militares da polícia convencional.
O treinamento é a etapa mais árdua que o
oficial deve superar, onde é submetido a situações de fome, humilhação, tensão
e exaustão extremas. Tais experiências limítrofes visam suscitar no candidato o
zelo para com a corporação. As condições insanas levam-no também a zelar ao extremo
o significado do escudo do BOPE bordado no uniforme – uma caveira com uma faca
cravada no crânio – de que os criminosos devem ser vistos sem qualquer piedade
e eliminados em prol do bem estar social. É essa a ideologia da corporação e a
raiz da motivação de cada soldado ao subir os morros sedentos por extermínio.
Na segunda parte do livro, intitulada “Dois anos depois: a cidade beija a lona”
é apresentado um dossiê o qual visa expor o câncer da polícia carioca: a
corrupção. Marginais, autoridades políticas, militares e civis se entrelaçam em
uma trama na qual os interesses são capazes de se sobreporem a qualquer lei ou
preceito moralmente constituído. Diante disso, fica a inquirição: a violência
no Rio de Janeiro de fato reflete o despreparo da polícia no combate ao crime organizado
ou é consequência necessária de um negócio lucrativo para traficantes e
policiais corruptos e lesivo aos cidadãos inocentes e honestos? Desta forma,
fica a conclusão de que a polícia convencional carioca chegou ao ponto de render
seus próprios oficiais que desejam trabalhar honestamente, quando deveria
apontar a arma para si mesma. O sacrifício das boas intenções levou a um
suborno nunca antes imaginado dentro da corporação que se diz detentora da
missão de proteger o cidadão e garantir a paz social.
A relevância dos assuntos abordados em Elite da Tropa fez com que a obra
ganhasse uma adaptação para as telas do cinema em 2007. Os soldados do BOPE são
colocados como os super-heróis que arriscam suas vidas em pesadas trocas de tiros
nos morros cariocas. Por outro lado, há uma polícia convencional que se
prostitui em sua função enquanto se veste com o véu da autoridade. Enfim, a
narrativa dos três autores demonstra, a partir de dentro, como é disseminada
nos quarteis parte de um processo de descrédito que atinge às claras quase toda
a esfera do poder público.
SOARES, Luiz Eduardo /
BATISTA, André / PIMENTEL, Rodrigo. Elite
da Tropa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. 316 pgs.
Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 2007:
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