Valendo-se de seu alto conhecimento bíblico, mais uma vez o Frei Carlos Mesters oferece uma chave de leitura para um importante livro da Bíblia: o Profeta Jeremias.
O profeta Jeremias nasceu em Anatot, por volta do ano 645 a.C. e trabalhou como agricultor até receber o chamado em 627. De sua paixão por Deus e pelo povo, brotava o objetivo principal de sua ação profética: levar o povo de volta à observância da Aliança. O contexto no qual vivia era marcado pela corrupção política, gerada pela trama histórica do reinado de Manasses e também pela corrupção religiosa, uma vez que a religião era usada para legitimar os erros dos líderes religiosos. Em virtude disso, o povo prestava culto aos deuses estrangeiros.
Assim como Jeremias, outros grupos visavam igualmente a reforma social e religiosa, como: 1) os recabitas, que visavam voltar aos tempos do êxodo, pela observância estrita daqueles costumes; 2) os refugiados, cuja proposta era voltar à observância da Aliança feita com Moisés; 3) os discípulos de Isaías (anawin), que acreditavam ser do meio dos pobres que nasceria um futuro melhor para o povo e cujo principal defensor foi o profeta Sofonias.
No tempo do rei Josias (640-609), a partir de seu contato com o Livro da Lei (Deuteronômio), iniciou uma série de reformas em todas as esferas da sociedade. Jeremias concordava com o rei, no que dizia respeito à união do povo de Israel e de Judá, observância da Aliança e em ser contra qualquer aliança com o Egito. No entanto, discordava quanto à centralização do culto em Jerusalém. A reforma que Jeremias propunha, dizia que não bastava o culto, mas era necessário restabelecer também o direito e a justiça, de modo que ele visava um processo de conversão do próprio coração.
Com a morte de Josias e o reinado de Joaquim (609-597) a situação do povo voltou a piorar devido ao cerco de Judá feito por Nabucodonosor em 598. Joaquim usou o culto a Deus para legitimar as próprias injustiças, levando o povo a desacreditar no relacionamento dentro do próprio clã, desanimar as lideranças, esquecer da Aliança e enfrentar um duro período de fome e seca. Simbolizando sua vocação, Jeremias fazia uso de algumas ações simbólicas como não casar, não ir a festas e nem a velórios. Apesar de seu sofrimento constante proveniente da perseguição, rejeição e abandono até mesmo pelos próprios familiares, Jeremias tinha alguns amigos com quem podia contar, como os recabitas, discípulos de Isaías e os “pobres de Javé”(anawin). A fonte de sua coragem vinha de seu relacionamento com Deus, da consciência da missão, dos amigos e da nova forma de encarar a vida e os fatos, à luz da tradição bíblica e dos profetas.
Durante o reinado de Sedecias (597-586), após a 1ª deportação para a Babilônia, as palavras dos profetas muitas vezes eram contrárias umas às outras no que diz respeito a estarem a favor ou contra Nabucodonosor. A parábola dos dois cestos de figos (4, 1 – 10) ilustrava bem a situação: os figos podres eram os que consideravam a ideologia dominante da monarquia como o período ideal da história do povo de Deus e viam o exílio como um simples “acidente de percurso”; os figos bons eram Jeremias e os grupos que pregavam um “futuro e uma esperança”, os quais acreditavam que o exílio era parte do plano de Deus e muito dizia sobre o futuro do povo. Diante do poder da Babilônia, Jeremias pregava tanto aos que ficaram em Jerusalém quanto aos exilados que se submetessem: “Sirvam ao rei da Babilônia, para que vocês possam viver!”(27, 17). A resistência seria suicídio e sua pregação era fruto de sua visão do exílio como parte dos planos de Deus. Jeremias imaginava uma comunidade do futuro como sendo livre, alegre e servidora, onde a sabedoria seria dom de Deus e sua lei estaria no coração do povo.
A destruição de Jerusalém por Nabucodonosor em 586, trouxe um período de calamidade para o povo. O Livro das Lamentações de Jeremias (que provavelmente não foi escrito por ele) fala da fome, miséria, terror, destruição, morte e escravidão que se apoderou da cidade: “Eu sou o homem que viu a dor de perto” (Lm 3, 1) e “Vocês todos que passam pela estrada, parem e olhem para ver se, em algum canto, existe uma dor semelhante à minha dor!”(Lm 1, 12). Apesar de todo o sofrimento, o livro conserva um certo raio de esperança: “O amor de Javé não acaba jamais e sua compaixão não tem fim. Pelo contrário, renovam-se cada manhã: como é grande tua fidelidade! Digo a mim mesmo: ‘Javé é minha herança’, por isso nele espero!” (Lm 3, 22-24). Nesse mesmo ano, se deu a 2ª deportação para o exílio. O povo levava consigo a memória da destruição, não tinha líderes, eram em sua maioria pobres e refugiados e ao contrário da primeira, contava com mais grupos que queriam a renovação e a mudança. Nesse período, Jeremias e Godolias reorganizaram-no sem a Monarquia e sem o Templo Real, escolhendo Masfa como centro. A raiva de alguns que eram contrários ocasionou o assassinato de Godolias e, diante disso, todos queriam fugir para o Egito mas Jeremias continuava a pregar a submissão ao rei da Babilônia. No entanto, o povo não aceitou e nesse contexto se deu a morte do profeta.
Carlos Mesters apresenta a vida e vocação profética de Jeremias, de forma bastante sistematizada em seis capítulos: 1º) A história de sua vocação, do nascimento aos 18 anos (645-627); 2º) A paixão que sustentou-o em sua luta, dos 18 aos 36 aos (627-609); 3º) O sofrimento do profeta, dos 36 aos 48 anos (609-597); 4º) A difícil tarefa de interpretar a história à luz da fé, dos 48 aos 57 anos (597-588); 5º) A denúncia do mal se transforma em anúncio de esperança, dos 57 aos 59 anos (588-586); 6º) Amostra e modelo futuro do povo, dos 58 anos até a morte (587-?). Nesse trajeto, vemos uma figura sensível aos sinais de Deus em sua história e atento a sua presença na caminhada de um povo oprimido e escravizado. Uma bela integração da fé encarnada na vida e de uma vida encarnada na fé.
REFERÊNCIA
LITERÁRIA
Título: Profeta Jeremias, boca de Deus, boca do povo, O
Subtítulo: uma introdução à leitura do livro do Profeta Jeremias
Autoria: Carlos Mesters
Editora: Paulinas
Ano: 1992
Local: São Paulo
Gênero: Espiritualidade | Religião