Este livro segue a mesma linha de obras distópicas
que retratam um modelo de sociedade perfeita, desde que seguidas algumas
regras, mas que logo logo é exposta às suas fragilidades, provocando a ruína de
seus pilares. Um dos melhores exemplos para que ilustremos essa comparação é o
clássico, mundialmente famoso, Admirável
Mundo Novo de Aldous Huxley.
Guy Montag é um bombeiro que vivia em uma
sociedade onde os livros eram a pior ameaça que o sistema deveria evitar.
Ironicamente, nessa sociedade, a tarefa dos bombeiros, ao invés de apagar
chamas era a de incendiar os livros, sem poupar nem mesmos as residências onde
fossem encontrados, caso necessário. Desta forma, era-lhes atribuída a nobre
tarefa de manter a ordem, principalmente impedindo que as ideologias encerradas
em suas páginas se disseminassem. Somente assim era possível que todos vivessem
no mínimo socialmente aceito, uma vez que as opiniões próprias constituíam
conspirações à ordem estabelecida e o pensamento crítico deveria ser
impetuosamente combatido.
O melhor exemplo de alienação ideológica está
expresso na figura da esposa de Montag. Enquanto ele trabalhava para conseguir
mais uma parede de TV para a amada, Mildred passava o dia inteiro entretida com
seus “parentes televisivos”. Com isso, o autor visa tecer uma crítica direta ao
poder de influência da programação televisiva na mídia, tornando as pessoas
consumidoras de conteúdos irracionais e reféns de uma programação fútil em
detrimento do desenvolvimento de seu próprio pensamento crítico.
Em dado momento de sua vida, Montag conhece uma
garotinha vizinha cujo nome era Clarisse. De modo intrigante, Clarisse não temia
em refletir o mundo que a cercava, de forma que tamanho senso crítico vinha
despertando o interesse de Montag. O sumiço inesperado da menina e uma abordagem
a uma residência em que a senhora moradora se recusara a abandonar sua casa,
sendo queimada junto com seus livros, fora a gota d´água para que ele tomasse
consciência de todo o servilismo que aquela sociedade criara e a barbaridade a
que estava disposta para manter sua cegueira. Afinal, o que os livros tinham que
os faziam serem evitados e até mesmo destruídos? Ao tomar nas mãos um exemplar
e ler algumas linhas, Montag não entende bem a mensagem, mas o episódio lhe soa
como uma abertura para um mundo de luz e esclarecimento, nunca antes
experimentado.
A partir daquele episódio, Montag passou por
momentos difíceis de intensa confusão, despertando a atenção de seu chefe, o
Capitão Beatty. Em um discurso político-ideológico, Beatty tenta convencer
Montag sobre a singeleza da missão que tinham, fazendo entender que, em algum
momento de sua vida profissional, todos os bombeiros estariam sujeitos àquela
crise passageira. No entanto, Montag tinha agora outro propósito de vida:
descobrir e preservar na memória o conteúdo daquelas páginas que poderiam
transformar definitivamente o mundo. Como sozinho tal tarefa seria limitada e
impossível, ele conta com o apoio do professor Faber. Inclusive, é o próprio
Faber que o convence sobre a necessidade de racionalizar a vida e exercer a
autocrítica diante de sistemas de censura como aquele.
A história contada por Ray Bradbury é
extremamente atual, servindo perfeitamente como uma crítica da sociedade
pós-moderna, principalmente à cultura midiática e tecnológica do século XXI. Não
obstante tenha sido escrita em 1953, curiosamente o autor consegue retratar o
mundo que começou a existir na década de 90. Uma das personagens mais
intrigantes é o Capitão Beatty. No discurso que tem com Montag, Beatty
demonstra a densidade de seu conhecimento literário e de sua capacidade em ler
o contexto social. No entanto, na prática, Beatty adota uma postura irracional,
preferindo viver na ignorância e apregoando a necessidade de que as pessoas se
deixem levar por coisas simples e imediatas como “apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas”.
Para ele, o que vale é o imediatismo e a satisfação instantânea das
necessidades humanas. Dessa forma, a revolta de Montag frente ao sistema é o
fruto de seu próprio despertar do temor daquilo que as pessoas desconheciam e
evitavam, não porque era perigoso e sim porque foram coagidas a evitar, para
que não viessem a questionar o destino que tinham traçado para elas.
REFERÊNCIA
LITERÁRIA
Título: Fahrenheit 451
Subtítulo:a temperatura na qual o papel do livro pega fogo e queima
Autoria: Ray Douglas Bradbury
Editora: Globo
Ano: 2003
Local: São Paulo
Gênero: Drama | Distopia
Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 1966:
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