segunda-feira, 31 de março de 2014

O Mundo Mágico do Senhor dos Aneis (David Colbert)


            A principal obra de John Ronald Reuen Tolkien (1892 – 1973) deixa qualquer leitor perplexo pela variedade de detalhes imaginados pela mente de seu criador, criando um verdadeiro universo. São povos, línguas, escritas, lendas, poemas, herois e inimigos, além, é claro, da própria trama em torno da guerra pelo anel de poder. Mas, onde Tolkien buscou inspiração para seu universo mitológico? Quais fatos ou histórias influenciaram o seu pensamento? O que queria Tolkien ao escrever uma obra tão rica? Essas e outras perguntas David Colbert busca responder, para que os fãs entendam um pouco mais a principal obra de Tolkien, como também as outras correlacionadas, O Silmarillion e O Hobbit.
            OSenhor dos Aneis levou 12 anos para ser escrito, sendo o primeiro volume publicado em 1954. Antes dele, a obra OHobbit encantara diversos leitores com as aventuras de Bilbo Bolseiro. Até essa obra, o anel não possuía nenhuma importância especial, conferindo apenas a invisibilidade a quem o usasse. Isso até Gandalf descobrir que se trata do Um Anel e revelar todo o perigo em possuí-lo.
            Os mitos e lendas foram algumas das principais fontes de inspiração de Tolkien. Na mitologia nórdica, o deus Odin possuía um anel poderoso e criara outros oito, a fim de lhe aumentarem a riqueza e o poder, controlando os reis. Odin também é um deus que esconde sua identidade, para que todo o seu poder fique oculto. Paralelamente, na história de Tolkien, Sauron possui um anel que encerra grande parte de todo o seu poder e cria outros oito para tentar os líderes dos elfos, anões e homens da Terra-média. Sauron também é um inimigo que se esconde em um olho que tudo vê para liderar seus exércitos. Diversos elementos da história de Tolkien recordam também o poema épico anglo-saxão Beowulf, composto por volta do século VIII. Os vários povos habitantes da Terra-média, divididos entre hobbits, homens, elfos, orcs, ents, huorns, anões, etc., também surgem a partir dos mitos e lendas. Um detalhe é a discórdia mítica entre elfos e anões, que Tolkien decide resolver pela amizade que surge entre Gimli e Legolas, forçados a combaterem juntos o Senhor do Escuro.
            O número correto de línguas da Terra-média é algo discutível, variando de 14 a 21. As mais usadas são o quenya (alto élfico) e o sindarin (élfico cinzento). Para inventá-las, Tolkien se baseou em seus conhecimentos de anglo-saxão (inglês antigo) e o finlandês. O quenya se mistura ao sindarin assim como o latim às línguas britânicas. Também foram inventados alfabetos, sendo os principais o tengwar (letras), uma espécie de letra cursiva como a gravada no anel e o cirth (runas), gravados ou entalhados.
            Um tópico interessante, é o porquê Tolkien não continuou protagonizando Bilbo na missão de destruir o anel, conforme iniciado em O Hobbit. Certamente algumas perguntas ficariam sem resposta e o impacto da história não seria o mesmo. Além do mais, a figura de Frodo, enquanto Portador do Anel, revela-o como um hobbit tímido, fraco, amedrontado e indefeso. É a necessidade e a beleza da superação, o que para Tolkien era algo admirável.
           São várias as nuances do Senhor dos Aneis, que o fazem um clássico ímpar da literatura contemporânea. O catolicismo de Tolkien é expresso de várias maneiras, transmitindo seu olhar sobre a fé. O contexto mitológico traz histórias geniosamente arquitetadas. A determinação de seus personagens transmite lições motivacionais de garra e superação. Enfim, é tarefa árdua definir em poucas palavras toda a riqueza literária que Tolkien criou. Por hora, podemos iniciar com uma palavra, um elogio louvável: fantástico.


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Mundo Mágico do Senhor dos Aneis, O
Autoria:     David Colbert
Editora:     Sextante
Ano:          2002
Local:        Rio de Janeiro
Edição:     
Gênero:     Curiosidades | Livros

sábado, 29 de março de 2014

A Párabola do Pai Misericordios: à luz do quadro de Rembrandt “O Regresso do Filho Pródigo” (Álvaro Barreiro)

parabola do pai misericordioso"Sede misericordioso como vosso Pai é misericordioso" 
(Lc 6, 36)

          O autor é membro da Companhia de Jesus. Este livro surge como uma síntese de sua experiência, extraída de uma série de retiros dados por ele nos últimos três anos antes de sua primeira edição.
          O objetivo de Álvaro Barreiro é contemplar, de forma orante, a parábola do Pai Misericordioso (Lc 15, 11-32) contada por Jesus, retratada no quadro de Rembrandt "O Regresso do Filho Pródigo", pintado em meados do século XVII. No entanto, outros aspectos são assinalados no que diz respeito à misericórdia de Deus nos evangelhos.
          O evangelista Lucas relata três parábolas dos perdidos: 1ª) A ovelha perdida (15, 3-7); 2ª) A moeda perdida (15, 8-10); 3ª) O Pai Misericordioso (15, 11-32). Nas três vemos a semelhança pelos temas da alegria pelo reencontro, a procura de Deus pelo pecador e a espera. Também se destaca o significado da refeição em comum, o que no tempo de Jesus adquiria um sentido especial de aproximação, confiança, paz, alegria, comunhão entre os convivas, no intuito de manter essa comunhão diante/com Deus. Três aspectos estão presentes nessas parábolas: 1º) Teológico: Deus oferece seu perdão a todos, especialmente aos marginalizados e excluídos da sociedade; 2º) Cristológico: a práxis de Jesus revela a sua experiência do amor do Pai, totalmente conforme seu ensinamento; 3º) Eclesiológico: a mesma experiência de Deus que levou Jesus ao encontro dos pecadores, deve levar a Igreja ao encontro dos marginalizados hodiernos.
          Álvaro analisa cada figura da parábola (e do quadro) separadamente. Ao pedir a partilha dos bens, o filho mais novo age conforme o direito judaico a ele conferido, de acordo com Lv 21, 17. É um processo de emancipação. A ruptura com o pai, que para o filho era sinal de liberdade, revela-se como uma partida para a alienação, a solidão e a perdição. Expressões da parábola como "pai distante", "patrão" e "porcos" servem para demonstrar a que grau de perdição o filho mais novo chegou. Aquela, remete a um distanciamento da comunhão familiar, uma perda de laços; essa, ao fato de o serviço a um patrão pagão ser contra a lei judaica; esta outra, devido a mesma lei considerar o porco um animal impuro, de forma que ao alimentá-los, o filho mais novo fazia crescer o que havia de imundo no mundo. Somente no auge de sua degradação ele "cai em si". Em sua reflexão, mesmo decidido a retornar, sente que perdeu a dignidade de filho e devia ser tratado como empregado, uma vez que "a 'ruptura' era irreparável, a 'culpa' incurável, a 'mancha' indelével" (p. 54). A decisão de retornar do filho é motivada, primeiramente, por uma questão de sobrevivência: "Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome!" (Lc 15, 17).
          Jesus contou as parábolas relatadas no capítulo 15 de Lucas como uma resposta aos fariseus, que eram incapazes de admitirem a convivência dele com os pobres e pecadores. A figura do filho mais velho representa, primeiramente esses fariseus, e depois, cada um que se fecha à misericórdia de Deus para com os perdidos. O rancor do filho revela um distanciamento do pai e um rompimento pela recusa, de forma que seu discurso demonstra a autosuficiência da justiça farisaica e sua carência afetiva, autocompaixão, inveja e ressentimento. Em virtude disso, sua figura é ambígua: ao mesmo tempo em que ele é o "filho bom" por observar todas as leis e obedecer ao pai, ele é o "filho mau" por deixar transparecer que o pai é injusto ao acolher o filho perdido.
          Alguns traços sobre a figura do Pai chamam atenção no quadro de Rembrandt: as mãos do pai - uma forte e viril, a outra de dedos finos e alongados, à altura do peito - recordam a imagem de um Deus pai/mãe; o manto, sinal da acolhida e proteção ao filho; o rosto do filho, semelhante ao de um feto, simbolizando que somos pessoas em formação. A postura curvada do pai simboliza um gesto de plena acolhida ao filho perdido, anulando seu passado e convidando-lhe a abraçar uma nova vida. Um paralelo da parábola do Pai Misericordioso com a do dono da vinha (Mt 20, 1-15) mostra que o Deus proclamado por Jesus não se comporta segundo as leis que regem as relações sociais, nem como a teologia dos escribas e fariseus. Por causa disso, ele é um Deus desconcertante.
          Tanto no relato evangélico quanto no quadro de Rembrandt, o desfecho da história fica em aberto. Jesus foi o verdadeiro filho pródigo que, não na condição de filho rebelde, mas sim de filho obediente, percorre o mesmo caminho de esvaziamento, a fim de conduzir a humanidade perdida ao retorno à casa do Pai. Cada um é convidado a fazer esse caminho de conversão.
          Ao escrever o livro, o autor deixa claro que deve ser lido em espírito orante, na busca por revisar a própria vida e, identificando-se com o filho mais novo ou o filho mais velho, voltar o próprio coração para o do Pai. O encontro com sua misericórdia deve impulsionar a assumir a paternidade espiritual, o qual é o comprometimento com os "perdidos", aliviando-lhes as penas e dores. Na figura do Pai Misericordioso, três expressões auxiliam a assumir a paternidade espiritual: a dor, que faz-nos sair das "zonas de conforto" e ir ao encontro dos "perdidos"; o perdão, que consiste na capacidade de amar ao outro, mesmo ante suas quedas repentinas; a generosidade, capacidade de restituir a dignidade perdida.
          Enfim, Álvaro Barreiro sugere três modelos úteis para a prática da misericórdia na contemporaneidade: 1º) a contribuição específica, na qual cada um, através de sua qualificações profissionais ou daquilo que sabe fazer, dedica tempo a atender às necessidades de outros; 2º) a alternância dos momentos, que convida a alternar sua vivência no "luxo" e no "lixo"; 3º) a encarnação, em que alguns se dedicam plena e exclusivamente à causa dos pobres e perdidos. Com isso, cumpre-se o que diz P.e Pedro Arrupe: "Todos pelos pobres. Muitos como os pobres. Alguns como os pobres".
 
BARREIRO, Álvaro. A Parábola do Pai Misericordioso: à luz do quadro de Rembrandt "O Regresso do Filho Pródigo". São Paulo: Loyola, 1998. 144 pgs.

quinta-feira, 20 de março de 2014

À Espera de um Milagre (Stephen King)

            Inicialmente, À Espera de um Milagre foi publicado em partes e não como um volume único. Por considerá-lo grande demais, o editor sugeriu dividi-lo em seis partes que seriam levadas a público sequencialmente, como uma pequena série. O sucesso obtido entre os leitores foi esplêndido, consagrando-o como um dos best-sellers do autor e, mais tarde, publicado em um livro único. A obra também ganhou uma adaptação para as telas do cinema, protagonizada por Tom Hanks.
            Como interno de uma casa de repouso para idosos em Georgia Pines, Pau Edgecombe vivia sua monótona rotina. Paul havia trabalhado como carcereiro da Penitenciária de Cold Mountain, no Bloco E, mais conhecido como "corredor da morte". Casado com Janice, perdera a esposa num acidente automobilístico ocorrido em uma estrada do Alabama em 1956. Porém, o ano que mais marcara a vida de Paul foi 1932, durante a Grande Depressão, quando a chegada de um prisioneiro o colocou frente a seus valores e a si mesmo, desafiado pela natureza de suas atribuições enquanto funcionário do estado. As recordações das memórias desse ano são a pauta da narrativa em primeira pessoa, que o velho Paul revela a Elaine Connelly, uma amiga no asilo.
            Além de Paul, executavam as tarefas no Bloco E os carcereiros Harry Terwilliger, Dean, Brutus Howell (ou Brutal) e Percy Wetmore. Este era amparado por um grau de parentesco com o governador mas, seu caráter cruel e impiedoso, recomendava-no como o menos capaz para lidar com os prisioneiros condenados à morte. As atribuições dos guardas eram simples: deviam zelar pela guarda e segurança dos presos, até que fosse decretado o dia de suas execuções na cadeira elétrica, ou "Velha Fagulha", como era chamada em Cold Mountain. Naquele período o Bloco E não contava com muitos prisioneiros aguardando execução. Dentre estes, o mais divertido era o francês Eduard Delacroix, que distraia a todos com seu rato de estimação, Sr. Guizos ou "Willie do Barco a Vapor", como fora apelidado pelos guardas.
            Em 1932, a chegada de dois novos prisioneiros traria maiores precauções para os guardas: um era Wild Bill Wharton, um condenado de caráter frio e comportamento indisciplinado. O outro era John Coffey, um homem negro, de porte grande e que poderia causar muitos transtornos caso tivesse um ataque de fúria. No entanto, John permanecia a maior parte do tempo melancólico e calado, como se sua passividade fosse hilária e incompatível com seu tamanho. Coffey fora acusado e condenado pelo assassinato das irmãs gêmeas Detterick, no Condado de Trapingus, por ter sido encontrado segurando-as nuas e mortas nos braços no dia do ocorrido, mesmo que aos prantos e com ares de arrependimento.
            Paul era o chefe do Bloco E e o encarregado de coordenar as execuções. Sofria de uma infecção urinária terrível, que o fazia se curvar devido aos espasmos de dor. Um contato com John Coffey o deixara atordoado, pois passou a se sentir perfeitamente são e curado. Outro episódio acontecido com o rato de Delacroix, desta feita, frente aos outros guardas deixou a todos perplexos, quando perceberam os estranhos poderes sobrenaturais de cura, dos quais John Coffey era dotado. Naquela época, a esposa do diretor do presídio, Melinda Moores, vinha sofrendo com um câncer no cérebro que a deixava num estado deplorável. As chances de cura eram praticamente nulas. Seria possível que John Coffey pudesse ser uma última luz para quem estava à espera de um milagre? Tal possibilidade incomodava aos guardas que viam nessa esperança o risco de toda uma carreira vir a desaparecer.
            A obra de Stephen King traz uma temática profundamente questionadora: seria justo condenar à morte alguém cuja inocência era comprovada e que, ao invés de um criminoso, na verdade era um prodígio? A dor na consciência não poderia vir a falar mais forte em um homem que descobrira quem fora o verdadeiro autor do crime e que era atormentado pelo próprio silêncio. Enfim, essa é obra é incrivelmente emocionante.


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Espera de um Milagre, À
Autoria:     Stephen King
Editora:     Objetiva
Ano:          2005
Local:        Rio de Janeiro
Edição:     
Gênero:     Drama

Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 1999:

domingo, 9 de março de 2014

A Montanha dos Sete Patamares (Thomas Merton)

a montanha dos sete patamares          Em sua obra autobiográfica, Thomas Merton busca delinear os fatos mais importantes de sua vida, enfatizando o seu processo de conversão à Igreja Católica.
          Merton nasceu em Prades, França, em 31 de janeiro de 1915. Três anos depois, nascia seu irmão mais novo, John Paul. Sobre suas fantasias de menino, Merton diz que tinha um amigo imaginário chamado Jack que, por sinal, tinha um cachorro chamado Doolitle.
          Em 1921 morria a mãe de Thomas Merton, vítima de um câncer de estômago, quando ele tinha seis anos de idade. Em agosto de 1925, mudou-se com o pai, cuja profissão era pintor, de volta para França, em St. Antonin, onde foi iniciada a construção de uma casa própria, por iniciativa do pai.
          O primeiro lampejo da graça de Deus lhe viera mais ou menos em 1927 através do encontro com os padres privats em Murat. Nessa ocasião houve uma discussão à respeito de sua falta de fé e a religiosidade dos padres que lhe tocara o coração. Sobre isso diz: "Tudo o que digo é questão de hipótese, mas conhecendo sua caridade, é para mim caso de certeza moral de que devo muitas graças às suas orações e talvez também minha conversão e até mesmo a vocação religiosa" (p. 58). Merton, assim como seu pai, não professava nenhuma fé.
          Na primavera de 1928, mudou-se para a Inglaterra, juntamente com o pai, contando com quase 14 anos completos. Ao completar 15 anos, passou a sentir-se mais livre e a buscar mais insistentemente sua independência. Em 1931, morria seu pai, vítima de uma hiperplasia (tumor maligno) no cérebro.
          A vida de Thomas Merton foi profundamente marcada pela literatura. O contato com os escritos do poeta William Blake e fizeram dizer: "[...] através de Blake eu chegaria um dia, depois de muitos rodeios, à única e verdadeira Igreja e ao único Deus vivo, por meio de seu filho Jesus Cristo" (p. 83).
          Por ocasião de sua passagem por Roma, sentindo-se desolado, Merton se tornou um peregrino das igrejas. O contato com a arte dos templos contribuíra para que vivesse uma experiência espiritual: "Foi em Roma que se formou minha concepção de Cristo" (p. 102). Sua experiência mística tida com a imagem do pai, fora traduzida como um fator edificante para que empreendesse uma primeira busca de Deus e rezasse, ainda que timidamente, nas igrejas católicas.
          Os anos de 1934 a 1937 foram marcados por perdas em sua vida. Mike, um de seus amigos na época universitária em Cambridge, suicidara por enforcamento em 1934; Pop, seu avô, e Bonnemaman, sua avó e esposa de Pop, em 1936 e 1937, respectivamente.
          O contato com a obra de Etienne Gilson The Spirit of Medieval Philosophy produziu em Merton um maior interesse pela doutrina católica e um despertar para a fé cristã. Isso se deu principalmente pelo argumento sobre a "asseidade de Deus", segundo o qual é a capacidade de um ser existir por si mesmo, isto é, existir independentemente de qualquer causa exterior e sem ter criado a si mesmo. A conversão de Merton ao catolicismo se intensificara quando participou pela primeira vez, de uma missa na Igreja de Corpus Christi em 1938. A partir de então, sua vida "começou a ser interiormente cercada pelos jesuítas" (p. 193). Uma vez tendo partido do próprio Thomas Merton a resolução de tornar-se católico, auxiliou-o o Padre Moore, instruindo-o na iniciação cristã (catequese) duas noites por semana, antes de ser batizado.
          No dia 16 de novembro de 1938, aos 23 anos de idade, Merton foi batizado pelo Padre Moore e recebeu, pela primeira vez, a Eucaristia. Sobre a ocasião, diz: "Apesar de todo meus estudo, leituras e conversas, eu me julgava infinitamente pobre e insignificante diante do que ia acontecer em mim. Estava prestes a desembocar na praia, ao sopé da alta montanha de sete patamares de um purgatório mais escarpado e árduo que eu poderia imaginar e não tinha a mínima ideia da subida que me restaria fazer" (p. 201). Durante a preparação para o batismo, Merton sentira o primeiro desejo de ser sacerdote.
          Quando Merton decidiu ir buscar a realização de seu desejo de ser sacerdote, contou com a ajuda de seu grande amigo Dan Walsh. Este lhe falou de várias ordens. Dos redentoristas, por exemplo, faz menção no seguinte trecho: "De resto, minha tia estava disposta a falar o dia inteiro sobre os redentoristas, cujo convento ficara na rua em que morava quando menina no Brooklin" (p. 252). Isso se deu após ter recuperado de uma cirurgia de apendicite e ter passado alguns dias visitando parentes em Douglaston.
          Merton recebeu de Walsh uma carta de recomendação ao Frei Edmundo, um franciscano. Faltando poucas semanas para ingressar no noviciado, sentiu-se questionado por Deus em sua vocação e, após conversar com Frei Edmundo, desistiu: "A única coisa que eu sabia, além da enorme aflição em que estava mergulhado, era que não devia pensar que tinha vocação para o claustro" (p. 270). Deste modo, comprou secretamente os quatro volumes do Breviário pensando em ser um franciscano da Ordem Terceira, revelando seu segredo apenas a Frei Edmundo.
          Após fazer um retiro no mosteiro trapista no Kentucky, Merton sentiu-se incomodado interiormente e voltou a pensar na possibilidade de sua vocação ao sacerdócio: "E então, praticamente a última coisa que fiz antes de deixar Gethsemani foi rezar a Via Sacra e pedir, com o coração saindo pela garganta, na décima quarta estação, a graça da vocação de trapista, se fosse do agrado de Deus" (p. 300). Assim, ingressou no mosteiro trapista de Gethsemani, onde foi iniciado na vida contemplativa.
          O irmão de Thomas Merton foi procurá-lo no mosteiro, onde foi encaminhado para o batismo em New Haven. Era a última vez que se encontrariam: "Foi só então que a expressão de seu rosto mostrou certa possibilidade de estar pensando, como eu, que talvez nunca mais nos veríamos na terra" (p. 361). No dia 16 de abril de 1943 morria o irmão de Merton, John Paul.
          Enfim, em sua autobiografia, Thomas Merton contorna as marcas que levaram à sua conversão e a abraçar sua vocação como trapista. Uma vida como tantas outras, desejosa de ter algo para dedicar-se e realizar-se. Uma vocação sem grandes mistérios, mas com a força mística capaz de superar as inconstâncias e florir mesmo nas circunstâncias mais adversas. Merton traduz em sua história a verdade de quem foi seduzido pela graça de Deus e correspondeu generosamente ao seu amor.


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Montanha dos Sete Patamares, A
Autoria:     Thomas Merton
Editora:     Vozes
Ano:          2005
Local:        Petrópolis
Edição:     
Gênero:     Autobiografia | Espiritualidade