sábado, 28 de abril de 2012

Nas Arquibancadas (John Grisham)

nas arquibancadas          John Grisham nasceu em Jonesboro, nos Estados Unidos. Formou-se em Direito e dedicava as horas vagas a escrever livros. Reconhecidamente um dos autores mais lidos dos EUA, já vendeu mais de 100 milhões de exemplares no mundo inteiro. Sua obra engloba os seguintes títulos: Tempo de Matar, A Câmara de Gás, O Cliente, O Dossiê Pelicano, A Firma, O Homem que fazia chover, O Sócio, O Júri, O Advogado, O Testamento, A Confraria, A Casa Pintada, Nas Arquibancadas e O Rei das Fraudes, entre outros tantos. O tempo em que jogou como quaterback do time de futebol americano dos Chargers no Colégio Southaven, Mississipi, trouxe inspiração para a redação dessa obra.
          As competições entre colégios são uma marca da cultura juvenil dos Estados Unidos. Muito mais do que ganhar um título, ter a foto estampada na capa de um jornal, entrar para a história, as equipes de jogadores de futebol americano devem aprender a estratégia perfeita para serem grande profissionais. A carreira estelar talvez seja para poucos, mas a garra e determinação é uma marca que todo bom jogador deve encarnar no seu cotidiano.
          Neely Crenshaw foi uma estrela do futebol de Messina, reconhecido como o melhor quaterback da história dos Spartans. Quinze anos depois de sua fase de ouro, volta a sua cidade natal, ao saber que o treinador Eddie Rake se encontrava à beira da morte. Rake havia sido o melhor treinador que Messina tinha conhecido, transformando o time dos Spartans numa equipe praticamente invencível. Naquela que ficou conhecida como "Maré de Sorte". Durante os trinta e quatro anos que havia ficado no comando do time, Rake acumulou um saldo de 418 vitórias, 62 derrotas e 13 títulos estaduais. Tudo isso o transformara em uma lenda em Messina e o futebol uma fonte de inspiração para as novas gerações que almejavam um dia também se tornarem ídolos. Conhecido pelo temperamento rígido e controverso, Rake também foi o protagonista de diversas polêmicas e conflitos, principalmente pela morte do jovem Scooty, após ter sido submetido a um treinamento rigoroso e torturante que o levou à insolação.
          Regressando à sua cidade, Neely Crenshaw volta às arquibancadas do Campo Rake e se encontra com os amigos do time, também vigilantes à espera do último suspiro do treinador. Esse encontro traz à memória de todos, os tempos gloriosos que viveram naquele estádio, quando toda a cidade se reunia nas noites de sexta-feira para assistir a mais um show dos Spartans. Neely era ovacionado especialmente por ser o all-American de Messina, o esportista escolhido como um dos melhores do país. No entanto, o regresso de Neely lhe traz também recordações dos conflitos pessoais vividos, especialmente uma briga com Rake, que quase lhe custara um título estadual, e o remorso por não ter aprendido a conciliar o instável degrau da fama, com o relacionamento com sua namorada Cameron, que jamais esqueceria.
          John Grisham faz uma exaltação da cultura esportista norte-americana ao escrever esse livro. A recordação saudosista do passado, vivida por Neely e seus amigos vem retratar de forma clara que a fama é um tempo tão forte quanto transitório na vida de uma estrela. No entanto, é essa mesma fama o que torna capaz de se tornar lenda uma equipe e um treinador dignos de serem homenageados e reconhecidos na história de uma cidade.
 
GRISHAM, John. Nas Arquibancadas. Rio de Janeiro: Rocco, 2004. 188 pgs.

sábado, 21 de abril de 2012

Harry Potter e a Pedra Filosofal (Joanne K. Rowling)

harry potter e a pedra filosofal          A obra Harry Potter e a Pedra Filosofal traz os primórdios da história do menino-bruxo mais famoso do mundo. Um sucesso tanto nas prateleiras das estantes quanto nas telas do cinema. Um ícone do mundo contemporâneo que encanta e diverte diversos fãs pelo mundo inteiro, atingindo não só o público infanto-juvenil, como também os adultos. Desta forma, o mergulho no primeiro livro da saga traz consigo a sensação de uma estranha expectativa por descobrir o mistério que Harry Potter tem para atrair tanta gente.
          Tudo começa na Rua dos Alfeneiros, quando uma criança é deixada em um cesto à porta de um casa. Desde então, Harry Potter cresce junto à família dos Dursley: seus tios Petúnia e Válter e seu primo Duda. Conhecidos como "trouxas" no mundo dos bruxos, os Dursley tratavam Potter com indiferença e desamor, principalmente por conhecerem a verdadeira história do garoto e saberem que suas trapaças tinham um quê de sobrenatural. Em suas festas de aniversário, Duda era sempre mimado e recebia inúmeros presentes, enquanto Potter era ridicularizado e não ganhava nem mesmo os parabéns.
Brasão das 4 Casas de Hogwarts
          Estando prestes a completar seu décimo ano de vida, Harry Potter começa a receber estranhas cartas, convidando-o a ir a um lugar chamado Hogwarts. No entanto, seus tios sempre o impediam de ler as cartas, certos de que aquilo traria problemas para sua família. Vencidos pela avalanche de cartas trazidas diariamente por corujas, os Dursley resolvem fugir com Harry para uma ilha. Ao chegarem lá, são surpreendidos por uma visita ainda mais estranha, Rúbeo Hagrid, o bruxo encarregado da vigilância do Castelo de Hogwarts e que viera buscar Potter para sua viagem.
          Em Hogwarts, Potter descobre todo um passado desconhecido sobre si mesmo e sobre seus pais. O mais intrigante de tudo era a surpresa e o respeito de seus colegas, uma vez que ele havia sido o único bruxo que Voldemort – ou Você-Sabe-Quem, uma vez que tal nome era impronunciável entre a comunidade de bruxos – não conseguira derrotar. No entanto, Potter trazia consigo uma cicatriz na testa, adquirida na batalha em que seus pais foram mortos pelo temível bruxo.
          Hogwarts era uma escola para bruxos. Sob a direção de Alvo Dumbledore, o maior bruxo de todos os tempos, as turmas eram distribuídas em quatro casas: Grifinória, Lufa-lufa, Corvinal e Sonserina, sendo que os alunos eram escolhidos por um estranho chapéu sabe-tudo. O espírito de competição fazia com que os alunos procurassem cumprir assiduamente as regras e conquistar pontos para suas casas, especialmente nas acirradas partidas de quadribol, onde Harry Potter fora eleito o melhor apanhador, para a inveja de seu arrogante colega Draco Malfoy. Mas Hogwarts também tinha seus mistérios e o maior deles viria a ser descoberto por Harry, juntamente com seus amigos Rony e Hermione: a existência de uma pedra mágica, guardada por um cão de três cabeças, que era capaz de garantir a imortalidade a quem a possuísse. Assim, Harry e seus amigos se aventuram por uma trama de segredos atrás das verdades sobre a pedra filosofal.
          Àqueles que estão acostumados às literaturas repletas de tramas racionais, talvez seja difícil entrar no mundo Harry Potter. Isso porque toda a história é um convite à imaginação de seres estranhos, lugares surpreendentes e poderes fascinantes. E é justamente nessa arte criativa de entrelaçar figuras do imaginário que repousa o incrível poder mágico desta primeira obra da saga.
 
ROWLING, Joanne K.. Harry Potter e a Pedra Filosofal. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. 262 pgs.

Confira o trailer da adaptação para o cinema lançada em 2001:


sábado, 14 de abril de 2012

Não nascemos prontos!: provocações filosóficas (Mário Sérgio Cortella)

não nascemos prontos - provocações filosoficas"Gente não nasce pronta e vai se gastando;
gente nasce não-pronta e vai se fazendo" (p.13)
 
          Mário Sérgio Cortella é doutor em Filosofia pela PUC de São Paulo. Atua no ensino acadêmico, como também em palestras e consultoria no campo da ética, educação e gestão do conhecimento. Exerceu a função de chefe de gabinete do professor Paulo Freire na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e o substituiu no cargo de secretário municipal nos anos 1991/92. Além do ramo acadêmico, também contribui em editoriais de jornais e programas de TV e rádio. Dentre as principais obras de Cortella, destacam-se: Descartes, a paixão pela razão (1988); A escola e o conhecimento – fundamentos epistemológicos e políticos (2004); Nos Labirintos da Moral (2005); Não espere pelo epitáfio... Provocações Filosóficas (2005).
          A vida é o espaço temporal onde o ser humano tece suas relações e interage consigo, com os outros e com o mundo. Nesta vivência ele é marcado e pautado pelos traços bem definidos que sua cultura e contemporaneidade lhe vão incutindo, fazendo-o adequar seu tornar-se pessoa humana ao socialmente aceito e difundido. No entanto, os tempos atuais clamam por uma atitude reflexiva sobre as circunstâncias do existir no contexto desse início do século XXI. A vasta e veloz transformação que o mundo vem sofrendo desde as inovações possibilitadas pelas revoluções industriais, tecnológicas, científicas e culturais, roubaram do ser vivente hodierno a disposição para refletir demoradamente tais mudanças. Tudo é transitório e acontece muito rápido.
          As tendências do mundo contemporâneo, completamente regido pela ditadura da tacocracia (do grego tákhos, rápido) conduzem a uma verdadeira acomodação existencial e a relativização dos valores e paixões. Diante desse quadro, o ser humano se rende ao culturalmente consumado, deixando de exercer seu papel mais intrínseco e diferenciador das outras criaturas: a de ser reflexivo e por isso transformador da realidade à sua volta. Tal natureza deixa claro que o ser humano é algo não pronto, mas que se atualiza a cada tempo de seu existir: "Eu, no ano que estamos, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado e não no presente" (p. 13).
          Cortella busca suscitar no leitor, através de pequenas reflexões, o despertar para um horizonte mais amplo do que a tacocracia dos tempos atuais oculta. Ver além de si e projetar-se rumo ao que se pode transformar, são passos imprescindíveis para que cada pessoa, homem ou mulher, exerça com maestria sua sublime vocação de construtor e autor da própria história. Não alguém submisso à fatalidade do destino traçado, mas alguém capaz de romper as fronteiras espaço temporais (principalmente aquelas que se constituem como verdadeiros empecilhos interiores), e acreditar ser possível realizar materialmente a essência de que os sonhos são feitos.
          Mario Sergio Cortella busca resgatar no leitor a fruição que o transitório, pronto e aparentemente acabado ocultou. Fazendo uso de seu refinado estilo de persuasão, recorre à intertextualidade, citando fragmentos de autores consagrados no Brasil e no mundo. Desta forma, semeia em quem se deixa levar pelas reflexões propostas, o sentimento de uma busca interior enraizada no concreto da vida. É a insatisfação que gera movimento e transformação.
 
CORTELLA, Mário Sérgio. Não nascemos prontos!: provocações filosóficas. 2ª ed.. Petrópolis: Vozes, 2006. 134 pgs.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

As Sandálias do Pescador (Morris West)

as sandalias do pescador          Morris West nasceu em St. Kilda, Victoria, na Austrália. Foi o primeiro de seis irmãos. Seu pai era caixeiro-viajante, e sua mãe, uma irlandesa católica. Formou-se em 1937 na Universidade de Melbourne e trabalhou muitos anos como professor. Passou 12 anos de sua vida em um mosteiro, mas não chegou a se ordenar padre. Em seus livros, West revela seus interesses no catolicismo romano, falando inclusive de muitos papas, e revela também um interesse na política internacional. Faleceu em 9 de outubro de 1999, vítima de um ataque cardíaco. Morris West escreveu O Advogado do Diabo, As Sandálias do Pescador e mais 25 livros, além de peças de teatro e programas de rádio.
          Nesta obra, o Papa morreu e os cardeais do mundo inteiro foram convocados para o Conclave. Reunidos no Vaticano em uma eleição breve, em relação às anteriores, o alto escalão eclesiástico elege para sucessor no trono de Pedro a Kiril Lakota. Kiril era o mais jovem do colégio cardinalício. Natural da Rússia, havia permanecido prisioneiro na Sibéria por dezessete anos, prestando trabalhos forçados nos campos de concentração, onde herdou uma cicatriz, escondida pela espessa barba negra. Incomodado pelas regalias e pelo poder que tinha como Príncipe de Roma e Chefe da Igreja Católica Universal, sente-se distante do próprio povo e... na noite em que fora coroado, sai às escondidas do Vaticano, indo para as ruas. Toma café em um bar, concede extrema unção a um moribundo e dialoga com uma mulher, Ruth Lewin, de quem fica conhecendo a história, tudo isso, sem preservar sua identidade papal. Outra questão que incomoda ao Sumo Pontífice é o avanço do comunismo pelo mundo, que o faz manter contato com o líder Kamenev.
          Enquanto a trama acontece nos misteriosos corredores do Vaticano, paralelamente o jornalista da Imprensa de Roma, George Faber luta para conseguir da Sagrada Rota Romana, a anulação do casamento de Chiara e Corrado Calitri, a fim de que possa desposá-la. Uma história de raiva, ressentimento e inveja se desenrola a partir de tudo isso.
          Kiril I, como ficara conhecido o novo papa, torna-se um verdadeiro mediador das negociações políticas entre o presidente dos Estados Unidos e o líder Kamenev. O que está em jogo é a eclosão de um conflito e a ameaça de uma guerra nuclear. Ao mesmo tempo, o Pontífice Máximo tem de aprender a conviver com a solidão proveniente do papel que desempenha. Caberia a ele a palavra final em qualquer decisão tomada na Igreja Católica, em virtude de calçar os sapatos de Deus. Na tentativa de controlar seus afetos, Kiril se afeiçoa a pessoas especiais, principalmente ao padre jesuíta Jéan Télemond. Este era o defensor de uma grande tese que lhe custou longos anos de sua vida e, ao passar pela revisão do Vaticano, foi reprovada por problemas semânticos. Decepcionado, cai de cama e vem a falecer ante a presença do vigário de Cristo.
          A obra As Sandálias do Pescador busca sondar o complexo ambiente da elite eclesiástica da Igreja: o Vaticano. Retrata sobretudo, o peso que o nome “Vigário de Cristo” representa para Kiril I fazendo-o calcular minuciosamente suas decisões políticas e religiosas, pesando as conseqüências para a Igreja e o mundo. O seu lado mais humano é representado como um emergir na solidão, a qual somente o próprio Deus se encontra acima do Papa, no que diz respeito à instituição.
          Enfim, Morris West consegue apresentar um Papa fictício que, na verdade, lida com assuntos do mundo real: a guerra fria, eutanásia, iminência de uma guerra atômica, eugenia, ciência X religião, além dos aclamados debates teológicos acerca da Teoria Evolucionista de Darwin. Um romance que se tornou um clássico da literatura contemporânea e que em meio à figura de um Papa político, não oculta as manobras ardilosas feitas pelos Príncipes da Igreja para conduzir a arca de Cristo.


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Sandálias do Pescador, As
Autoria:     Morris West
Editora:     Civilização Brasileira
Ano:          1966
Local:        Rio de Janeiro
Edição:     
Gênero:     Drama | Religião | Igreja Católica
 
Confira um trecho da adaptação para o cinema lançada em 1968:
 

domingo, 1 de abril de 2012

A Paixão de Cristo segundo o Cirurgião (Pierre Barbet)


paixão de cristo segundo o cirurgião, a"Ele não tinha aparência nem beleza para atrair nosso olhar, nem simpatia para que pudéssemos apreciá-lo" (Is 53, 2)

          A paixão, morte e ressurreição de Cristo são as bases fundamentais do cristianismo, sendo que seus sofrimentos pela redenção do mundo evocam a piedade e devoção dos fieis. A crueldade com que Jesus foi julgado, condenado e crucificado é amenizada pela sua intenção primordial, de que ele tudo isso aceitou livremente e amorosamente. No entanto, visto que a crucificação era uma condenação comum entre os romanos, como entendê-la cientificamente, excluindo-se os exageros que a comoção venham a provocar? Diante desta questão, vale esmiuçar neste pequeno texto, resumidos detalhes dos tópicos principais abordados pelo autor.
           Pierre Barbet foi médico cirurgião francês e, como católico convicto, quis entender a anatomia da crucificação. Para isso, usou seus conhecimentos médicos e experiências laboratoriais para examinar os traços de uma das relíquias mais polêmicas do catolicismo: o Santo Sudário. Desta forma, o estudo dos indícios da veracidade da crucificação de Cristo e sua comprovação por meio da análise científica das provas (sudário, análise anatômica, documentos históricos) acabam por fundamentar as convicções fideístas do autor e sua crença na veracidade da santa mortalha.
          No aspecto material, os principais elementos do Santo Sudário são: 1º) o tecido; 2º) as partes queimadas; 3º) as dobras; 4º) as impressões do corpo; 5º) as impressões sanguíneas. Sobre essas últimas, diferente do que se pensa, o autor constata que as impressões sobre o tecido não são manchas de sangue líquido e sim decalques de sangue coagulado que, por sua propriedade absorvente, se espalharam de forma irregular no pano.
          A crucificação era uma condenação das mais atrozes, que os soldados romanos dominavam com maestria. Seus principais instrumentos eram: 1º) Stipe crucis: a haste vertical da cruz, que ficava fincada no calvário; 2º) Patibulim-furca: a haste horizontal que os condenados carregavam; 3º) Conjunção dos dois paus: geralmente em + ou T; 4º) Sedile: espécie de "assento" para prolongar a agonia do condenado; 5º) Suppedanaeum: um consolo horizontal ou oblíquo sobre o qual se apoiavam os pés; 6º) Instrumentos de fixação: cravos e cordas. Os condenados eram crucificados nus ou usando apenas o subligaculum, uma faixa de pano que cingia os rins e as coxas, numa espécie de calção, muito comum entre os judeus. Chegavam a ficar dias em agonia ou eram submetidos ao crurifragium que consistia em um "golpe de misericórdia" no qual eram quebradas as pernas do penitente a fim de acelerar a morte. Por outro lado, o lançaço era um procedimento regulamentar e obrigatório antes que o corpo fosse entregue à família. Nesse, uma lança era trespassada no peito, atingindo o coração.
O Santo Sudário de Turim
O Santo Sudário de Turim
          A morte rápida de Cristo, que levou Pilatos a se surpreender, do ponto de vista do autor, tem uma explicação plausível. Algumas causas preparatórias contribuíram para seu desfalecimento: a hematidrose ou "suor de sangue" relatado por Lucas à véspera da paixão, que provocara uma diminuição da resistência vital e um estado anormal da pele; a flagelação e coroação de espinhos; a fome e a sede; as hemorragias; a insolação, e a síncope por deglutição, que consiste na morte súbita provocada pela ingestão da mistura líquida que lhe fora dada pelo soldado (a "posta", uma mistura de água, vinagre e ovos batidos). Dentre as causas determinantes estão a tetania e a asfixia. Aquela corresponde a contração violenta dos músculos do corpo provocando câimbras terríveis e levando a um estado de rigidez, enquanto essa é o sufocamento provocado pela posição sob a cruz e pela tetania.
          Um outro estudo do autor chamado "Cinq Plaies" (Cinco Chagas), desconstrói a típica visão retratada em toda a arte produzida sobre o crucificado. Os cravos teriam sido cravados no parte da mão chamada carpo e não nas palmas como é comumente representado. Do contrário, os ligamentos dos dedos ter-se-iam rompido devido aos esforços em aliviar a asfixia. Além do mais, os pés de Jesus teriam sido pregado diretamente sobre o Stipe (o esquerdo sobre o direito), com um único cravo, sem uso do sedile e do suppedanaeum. Enfim, o sangue e água jorrados do peito de Cristo após o lançaço, seriam provenientes da aurícula direita do coração (sangue) e do hidropericárdio (água).
          Por fim, o autor conclui seus estudos esboçando o que para ele deve ter sido o processo de sepultamento. Despregados os pés do stipes, o corpo teria sido transportado até próximo ao túmulo por cinco homens, sendo um a segurar os pés, dois a sustentar o tronco por meio de uma cinta de pano e mais dois a segurar o patibulum. As mão teriam sido despregadas e cruzadas diante do púbis, estando o corpo sobre o sudário. Então a outra metade desse envolveu a frente do corpo e este, facilitado pela rigidez cadavérica, fora depositado no sepulcro em uma antecâmara. Vale lembrar que era véspera da festa da Páscoa e, em virtude da escassez de tempo, os discípulos teriam somente envolto o corpo de Jesus na mortalha e o deixado sobre a pedra da unção, deixando para depois os ritos mortuários e o depósito do corpo sobre a pedra sepulcral.
          As conclusões tiradas por Barbet da análise do Santo Sudário afastam completamente a possibilidade de farsa pela riqueza de detalhes que, até mesmo um artista perito em medicina e profundo conhecedor da crucificação teria dificuldades em reproduzir em uma pintura. Somente a natureza deixaria impressas marcas tão indeléveis de um corpo cuja serenidade do rosto na mortalha exprime sua verdadeira divindade. Mesmo assim, o cirurgião é humilde em reconhecer que técnicas mais avançadas do futuro poderão lançar maiores esclarecimentos sobre essa sagrada relíquia. Porém, até que tal prova em contrário não surja, Barbet se emociona diante da única prova material que o ressuscitado deixara sobre o preço de seu amor livre e incondicional pela humanidade.


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Paixão de Cristo segundo o Cirurgião, A
Autoria:     Pierre Barbet
Editora:     Loyola
Ano:          2003
Local:        São Paulo
Edição:      10ª
Gênero:     Religião | Santo Sudário | Medicina