Mesmo quando se dirige ao público
infantil, o autor de O Mundo de Sofia,
consegue uma façanha brilhante: fazer com que as crianças reflitam os mistérios
da vida, ao mesmo tempo em que se divertem nas páginas de um livro. Deste modo,
a obra em questão é um convite para pensar um pouco não só no mistério da
existência humana, como também sentir a força dos laços que nos unem às pessoas
queridas.
George Roed é o próprio narrador da
história, um garoto de 15 anos. Durante uma arrumação no sótão de sua casa, ao
percorrer e revirar utensílios antigos que ficaram encostados e esquecidos pelo
tempo, sua avó deparara-se com um carrinho de bebê. Era o carrinho usado para
transportar o neto mas, o que mais intrigava era um chumaço de folhas numa
espécie de fundo falso do carrinho. Logo constataram que se tratava de uma
longa carta escrita pelo pai de George, Jan Olav, em agosto de 1990, e que
somente agora, 11 anos depois, fora descoberta. Emocionado, George se apossa
dos papeis e se fecha em seu quarto, desejoso de que nada pudesse perturbar o
eco da voz de seu pai, há tanto tempo esquecida.
George perdera o pai quando estava
prestes a completar 4 anos de idade. Atualmente, vivia em Humlevei (Oslo,
Noruega) com sua mãe, o padrasto Jorgen, e uma irmã, Mirian, filha de seu
padrasto. A carta de seu pai continha uma revelação nunca antes conhecida, das
memórias que Jan não queria que se perdessem com sua morte. Importante assinalar
que quando ele havia escrito a carta, já sabia da gravidade de sua doença e
desejava deixar para o filho algumas palavras de seu amor paternal.
O escopo principal da carta de Jan
Olav, concentra-se na história de como havia conhecido a mãe de George, ou
melhor dizendo, como havia conhecido a "garota das laranjas". Tudo começara
a partir de um encontro imprevisível em um ônibus, quando a garota supostamente
fugia de um homem, e continuara em encontros sucessivos não programados. O fato
da garota estar sempre vestida com um anoraque (roupa felpuda para lugares
frios) de caminhante, e segurando um saco de papel cheio de laranjas intrigava
o pai de George. Com o passar do tempo, os dois conversaram e, quando um certo
romance parecia estar surgindo, a garota fizera um pedido curioso para Jan: que
aguardasse seis meses, pois, caso conseguisse, encontrar-se-iam todos os dias
nos seis meses seguintes. Aquela proposta vinha na direção oposta aos anseios
de Jan e seis meses pareciam uma eternidade. Com isso, o pacto fora quebrado
quando, após ter recebido um cartão-postal remetido de Sevilha (Espanha),
viajara para lá, em busca da garota das laranjas, mesmo sem um endereço
definido para iniciar. O resultado disso mudaria definitivamente o futuro dos
dois, mas o romance terminaria em tragédia com a descoberta da grave doença de
Jan Olav.
Embora soe enfadonho e com um certo
romantismo pedante em algumas partes, a obra possui um valor especial pelo
contexto global de seu enredo. Um pai, que morrera há tantos anos, dirige-se ao
filho como se estivesse presentificando sua existência, com as palavras
escritas pouco tempo antes de sua morte e não acabadas. O universo era algo
fantástico para Jan Olav, demonstrado principalmente na narrativa do fato de
uma noite marcante: quando ficou com o filho bebê no colo, apreciando as
inúmeras estrelas que podiam ver. Tal encanto é demonstrado também nas
perguntas que o pai dirige ao filho sobre o lançamento do telescópio Hubble ao
espaço. Enfim, por meio da evocação da memória afetiva dos personagens, o autor
visa chama a atenção para a beleza e o encanto de tudo o que existe e acontece
na vida humana, antes que a morte desfaça os contornos dessa grande aquarela.
REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título: Garota das Laranjas, AAutoria: Jostein Gaarder
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2005
Local: São Paulo
Edição: 1ª
Gênero: Infanto-juvenil