sábado, 26 de outubro de 2013

Vita Brevis: a carta de Flória Emília para Aurélio Agostinho (Jostein Gaarder)


         O prestígio do pensamento de Santo Agostinho na filosofia e teologia patrística é algo indiscutível e incólume, bem como sua importância como bispo, santo e doutor da Igreja Católica. Contudo, essa obra vem retratar uma outra versão dos bastidores do santo, tendo sua ex-mulher, Flória Emília, como porta-voz de uma mensagem crítica. Desta forma, Flória dirige-lhe algumas considerações, 10 anos após ele ter se convertido e a abandonado, reunidas por Jostein Gaarder, após este ter contato com o texto original em uma feira de livros em Buenos Aires (Argentina), no ano de 1995.
            A carta de Flória Emília surge a partir das revelações interiores feitas por Agostinho em sua obra principal, Confissões. Como uma mulher simples de seu tempo, Flória seguiria os passos de Agostinho e se dedicaria ao estudo da filosofia, no intuito primordial de compreendê-lo, mas se tornando, desta forma, uma mulher culta.
            Antes de sua conversão, Agostinho e Flória haviam coabitado por 12 anos e tido um filho, Adeodato (cujo nome significa doado por Deus), que morrera. A princípio, Flória não compreendera de imediato o porquê Aurel a abandonara, indo dedicar-se a uma vida de contemplação e serviço a Deus, já que tal espírito jamais o movera anteriormente. Em seu livro, Agostinho afirma ter abandonado a mulher, por desejar dedicar-se à salvação de sua alma, de forma que tal relacionamento o atrapalhava, uma vez que o prendia às coisas carnais. No entanto, para Flória o motivo de tal abandono, longe de ser um preceito moral ou espiritual, era um princípio filosófico, denominado como continência. Com isso, Agostinho teria sido movido por uma atitude egoísta de sua parte e até mesmo pecaminosa, já que, buscando sua própria salvação, tomava tudo o que lhe fosse contrário como insídias do mal e tentações.
            Outro fator preponderante para seu abandono, segundo Flória, foram as intervenções de Mônica, mãe de Agostinho. Ela teria se interposto entre o relacionamento dos dois, alimentando a ideia de que o filho vivia em pecado e, somente abandonando Flória, poderia salvar sua alma. Com isso, ela não fora sábia em dividir o que era pecaminoso do que era puro e colocava Flória como o cerne da vida desregrada do filho, não levando em conta a possibilidade de que os dois pudessem ter uma vida cristã por meio de uma vida de matrimônio. Além do mais, enquanto Mônica e Agostinho consideravam a vida terrena como algo fugaz, para Flória ela seria um presente de Deus, digno de se apreciado. O próprio Deus não deu garantias de uma pós-vida que justificassem a rejeição da vida temporal. Consequentemente, acreditar  nessa pós-vida, para Flória, é viver da mais pura abstração e rejeitar a vida presente é um grande sinal de ingratidão.
            O Codex Floriae é um ataque à visão exacerbadamente espiritualista de Agostinho, naquilo que para ela é uma interpretação errônea da mensagem bíblica e um mau uso dos dons de Deus. Trata-se de um ataque à Igreja enquanto instituição e não à fé cristã em si. Para além disso, é o desabafo de um coração que se sente rejeitado, quando suas intenções eram puras e retas. Tal clamor vai diretamente na contramão de um época que priorizava a vida espiritual acima de tudo e marginalizava preconceituosamente a figura da mulher, relegando-a a um ser com função biológica definida e capacidade intelectual limitada. Porém, Flória demonstra argumentativamente seu ponto de vista, embasando-o por meio de diversas citações de filósofos e autores antigos, seja como paródia, seja como intertexto. Isso reflete o caráter culto adquirido por ela e referenciado na carta, como também coloca diretamente em xeque a emocionante história da conversão de Agostinho em seus pormenores não ditos.


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Vita Brevis
Subtítulo:  a carta de Flória Emília para Aurélio Agostinho
Autoria:     Jostein Gaarder
Editora:     Companhia das Letras
Ano:          1997
Local:        São Paulo
Edição:     
Gênero:     Filosofia

sábado, 12 de outubro de 2013

The Walking Dead: dias passados (v.1) (Robert Kirkman)


            Composto por seis revistas em quadrinhos, essa obra inicia uma série carregada de suspense e terror, adaptada para um seriado televisivo de sucesso (popularmente conhecido como The Walking Dead), lançado em 2010 pela American Movie Classics (AMC).
            Tudo inicia quando dois policiais, Rick e Shane, estão em perseguição a um fugitivo da prisão do Condado de Grant. Rick é baleado e, ao acordar do coma no hospital é surpreendido por um ambiente completamente abandonado e destruído. Ainda dentro do hospital, mesmo sem se dar conta do risco, Rick se depara com diversos zumbis famintos por novas vítimas. O universo de fora do hospital é ainda mais avassalador, com moscas e corpos putrefatos por toda a parte, compondo um verdadeiro universo apocalíptico.
            Rick se põe a caminhar rumo a sua casa à procura de sua esposa Lori e seu filho Carl. Ao chegar, não os encontra e é atingido por um golpe desferido por um garotinho, Duane Jones.  O pai de Duane, Morgan Jones, explica ao filho que não se tratava de uma ameaça e, quando Rick acorda, conta-lhe acerca do ocorrido. Sua esposa havia sido atacada e, por toda a parte, diversos mortos-vivos se erguiam à procura de novas vítimas. Mesmo assustado, Rick se arma em uma visita à delegacia e decide ir até Atlanta, acreditando que sua esposa e filho poderiam ter fugido para lá, enquanto Morgan e Duane decidem permanecer onde estão.
            No lombo de um cavalo, Rick se põe a recordar os bons tempos vividos, contrastando com toda a destruição do momento presente. Ao entrar em Atlanta, totalmente infestada de zumbis, sua montaria é atacada e Rick escapa graças à ajuda do jovem Glenn, que surge repentinamente. Glenn fala a Rick de um acampamento de sobreviventes montado fora da cidade e, ao chegarem lá, encontra sua esposa e filho sãos e salvos, bem como o amigo Shane. Os outros componentes do grupo eram Amy e Andrea (que eram irmãs), Dale, Jim, Allen e Donna, com seus gêmeos Billy e Ben, Carol e sua filha Sophia. Não bastasse a situação deprimente que o caos trouxera Rick ainda ficara ciente dos ciúmes que Shane alimentava por Lori. O reaparecimento de Rick instala certo clima hostil, mesmo que o melhor amigo não demonstrasse isso.
            A fragilidade do acampamento leva Rick e Gleen a irem à cidade a procura de armas. A estratégia de confundir os zumbis através do "cheiro de morte" funciona e eles conseguem o almejado. Ao retornar, Rick e Shane ensinam os integrantes a atirarem, inclusive Carl, mesmo contra a vontade de sua mãe. Contudo, em uma noite no acampamento, enquanto todos contavam suas histórias pré-contaminação, uma turba de zumbis invade o território ocasionando a morte de Amy e ferindo Jim. Andrea cai em depressão e Jim, diante da necessidade do grupo de deixar o local, é abandonado fora de Atlanta por sua própria vontade.
            Ficar próximo à cidade era um plano de Shane já que, caso as autoridades iniciassem uma busca, certamente começariam pelas grandes cidades. No entanto, as mortes ocorridas e a hostilidade de Shane fizeram o clima ficar cada vez mais tenso entre ele e Rick. Em certo momento, um briga entre os dois faz Shane apontar a arma para Rick, pronto para assassiná-lo e realizar finalmente seus desejos com Lori. Contudo, Carl dispara surge como elemento surpresa e acaba de vez com a ameaça de Shane.


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:       Walking Dead, The
Subtítulo:  dias passados
Autoria:     Robert Kirkman
Editora:     HQM Editora
Ano:          2006
Local:        São Paulo
Edição:     
Série:        Mortos-vivos, Os - Volume I
Gênero:     Zumbi | Suspense | História em quadrinhos

Confira o trailer do 1º episódio da série lançada em 2010: 

 

sábado, 5 de outubro de 2013

César (Allan Massie)


            No século II A.C. Roma vivia um período de ascensão. As vitórias dos exércitos em suas campanhas militares faziam com que seus chefes ganhassem prestígio e popularidade. A partir de tal contexto, a figura de Caio Júlio César emergia como a imagem de um grande general romano, estadista e historiador. O povo plebeu ficava fascinado diante do esplendor deste grande líder. 
            César representava uma personalidade ímpar entre os homens de seu tempo. Fora membro do Primeiro Triunvirato, uma espécie de governo, juntamente com Marco Licínio Crasso e Sexto Pompeiano (Pompeu), os quais viriam a se tornar rivais de César. As campanhas que liderou trouxeram vitórias importantes que culminaram na expansão dos domínios de Roma pelos territórios gauleses. Como prêmio, César fora proclamado Ditador Perpétuo. Além do mais, seu governo promoveu a construção de obras públicas, organização das finanças, distribuição de terras e fundação de colônias. Contava ainda com uma estratégia de unificação do mundo romano e minimização das revoltas, mediante o direito de participação política concedido aos habitantes das províncias conquistadas. A plebe o apoiava e ele concentrava cada vez mais poder em suas mãos.
            A apoteose de César, mesmo traduzindo sua inteligência política em governar com soberania, não fora vista com bons olhos por todos os seus partidários. Consequentemente, a concentração do poder que detinha era alvo de constantes ataques por parte de seus oponentes, que consideravam a ótica popular sobre ele como um monarca, como uma afronta traiçoeira à República. Assim era, por exemplo, a posição de Marco Túlio Cícero, cônsul, advogado, orador e escritor romano, o qual publicou seu Cato, uma espécie de manifesto contra a imagem de César. Posteriormente, César rebateria seus argumentos por meio de seu Anticato.
            A história que traz esse romance histórico é narrada por Décimo Júnio Bruto Albino. Esse fora um general e almirante romano, grande companheiro, melhor amigo e conselheiro de Júlio César. Contudo, esse recorte da história do
Júlio César
período romano, narra a eminência de grandes feitos, mas também as tramas de uma teia de conspirações. A traição se tornava companheira de César no dia a dia, fruto de seus atritos e divisões com os membros do Senado. Um assassinato impactante poderia por fim a uma ilusão popular de que um homem virtuoso correspondia aos seus plenos anseios de justiça e liberdade.
            A obra de Allan Massie traz consigo um mérito e um desafio oferecidos gratuitamente ao leitor. Trata-se de uma forma prazerosa e lúdica de conhecer a história do período romano, enriquecida pelo estilo literário romanceado da narrativa. Por outro lado, a história desafia a compreensão do leitor, em vista do grande número de personagens envolvidos. Porém, tal indigestão literária poderá ser combatida pelo auxílio de um anexo que compões a obra, ou mesmo de um livro didático de história, já que aqueles que se aventurarem em acompanhar os pormenores da conspiração até o fim, contarão com um natural apetite de absorção dos fatos históricos reais, confrontando-os com a trama imaginada pelo autor. Uma aventura que vale a pena percorrer também pelos outros volumes que sucedem a essa obra inaugural da Série "Os Senhores de Roma".


REFERÊNCIA LITERÁRIA
Título:        César
Autoria:      Alan Massie
Editora:      Ediouro
Ano:           2000
Local:         Rio de Janeiro
Edição:      
Série:         Senhores de Roma, Os - Livro I
Gênero:      Épico