A dinâmica acelerada dos tempos modernos induz o ser humano a certa acomodação, no sentido de se adaptar à rede de fazeres que constituem seu viver e não mais conseguir rompê-la. Consequentemente, a ditadura do "fazer" oculta sua necessidade intrínseca em "ser" e, principalmente, uma condição fundamental que molda sua natureza: a transcendência.
Essencialmente, o ser humano é um ser de protest-ação, ou seja, jamais está plenamente satisfeito porque se sente sempre maior. Ele também é um ser de ex-istência, ou seja, molda-se sempre para fora, conforme sua liberdade. Em virtude disso, existencialmente o ser humano nunca é um projeto acabado, mas está sempre em construção, em uma perfeita antropogênese. Ele é um ser que vive uma imanência, uma vez que a condição de ter nascido no seio de uma família com cultura específica o faz possuir um enraizamento, ao mesmo tempo em que é um ser transcendente, ou seja, seus desejos, pensamentos e emoções o movem a ir sempre mais além, tornando-o um ser de abertura. Essa transcendência o faz exercer uma de suas mais belas virtudes: a capacidade de romper limites e superar obstáculos.
Embora o fato de ser uma característica intrínseca e comum a qualquer ser humano, Leonardo Boff destaca algumas situações privilegiadas de completa transcendência: o enamoramento que move ao encontro com o outro; a cultura popular com suas manifestações artísticas; o compartilhamento de experiências no encontro com as pessoas, etc.. Enfim, nossa condição transcendental renuncia em nós ao mecanismo de conformismo do fazer. Somos projetos inacabados e, portanto, infinitos. A necessidade de projetar-se para além de si mesmo é tão importante para nossa existência quanto o ar é para nossas vidas.
Na contrapartida da transcendência existe a pseudotranscedência. Isso é um mecanismo doentio que faz com que o ser humano se iluda com aquilo que não o enobrece. Os apelos do marketing atual, representado não só através do consumismo e materialismo que a sociedade capitalista prega, mas também pelo marketing religioso cada vez mais negociado com os anseios por respostas das pessoas. Obviamente, o autor assinala que as religiões cumprem um papel importante por se constituírem em um espaço privilegiado em que as pessoas podem buscar a transcendência. Todavia, quando tal dimensão se afasta do verdadeiro sentido do sagrado, cria uma multidão de pessoas enfermas.
Para Leonardo Boff, o cristianismo possui uma singularidade: contribui de forma significativa para que as pessoas tomem consciência de sua transcendentalidade. Desta forma, a mensagem cristã deve ensinar cada um a "descer ao próprio inferno", ou seja, mergulhar dentro de si mesmo, naquele espaço em que somos completamente sós, mas cujo Deus se faz companhia. A partir desse mergulho, brotará a diafania, ou seja, a emersão de Deus para o mundo. Finalmente, resta conjugar a beleza dessa descoberta para a formação de uma ecologia da cooperação, em que todos os seres aprendem a amar, respeitar e cuidar de nosso habitat comum, não como um meio-ambiente e sim como um ambiente inteiro.
REFERÊNCIA
LITERÁRIA
Título: Tempo de Transcendência
Autoria: Leonardo Boff
Editora: Sextante
Ano: 2000
Local: Rio de Janeiro
Edição: 1ª
Gênero: Espiritualidade